Infelizmente, é bem difícil encontrar pensadores na Idade Média que falavam sobre preservação ambiental da forma como a entendemos hoje. A mentalidade medieval mesmo sobre o mundo era muito diferente do que viria a se tornar posteriormente. Um ponto de virada fundamental de uma visão europeia sobre quem seria o humano no mundo, o rompimento com um mundo criado para os humanos seria “Cândido, ou O Otimismo” de Voltaire, publicado em 1759.
Até então, a visão predominante era que a natureza estava ali para ser dominada e usada pelo homem, em grande parte influenciada por interpretações de textos religiosos. O foco era na sobrevivência, na agricultura e na exploração dos recursos naturais, sem uma preocupação com o esgotamento ou com os impactos ambientais a longo prazo.
A ideia de "ambientalismo" como um movimento de conscientização e proteção da natureza só começou a surgir muito mais tarde, principalmente nos séculos XIX e XX, com o avanço da industrialização e o aumento dos problemas de poluição e desmatamento.
Origens da preocupação com a natureza
Embora não houvesse um "ambientalismo" medieval, podemos encontrar algumas ideias que, de forma indireta, mostravam uma certa relação ou preocupação com o mundo natural:
São Francisco de Assis (1181/1182 - 1226): Ele é o exemplo mais próximo de uma figura medieval que mostrava uma profunda conexão com a natureza. São Francisco falava da fraternidade entre os homens e os animais, via as criaturas como irmãs e irmãos, e acreditava que o respeito pela criação era uma forma de louvar a Deus. No entanto, sua abordagem era mais teológica e espiritual do que uma preocupação com a "preservação" no sentido moderno.
A agricultura sustentável da época: Sem saber, muitas práticas agrícolas da Idade Média eram "sustentáveis" por necessidade. O rodízio de culturas, a baixa tecnologia e a dependência do tempo da natureza forçavam uma interação mais cíclica e menos extrativista com a terra.
Então, em resumo, não havia um "pensador medieval" com a nossa visão de preservação. O que existia era uma relação diferente com a natureza, muitas vezes mística ou pragmática, mas não um movimento organizado para a proteção do meio ambiente.
O ponto de virada: a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX)
Antes da Revolução Industrial, a interação do homem com a natureza era, em grande parte, uma questão de sobrevivência. As comunidades dependiam diretamente do campo, mas a tecnologia era limitada e os impactos em larga escala não eram tão evidentes. O pensamento era mais de dominar a natureza, não de preservá-la.
Com o advento das fábricas e da queima massiva de carvão e outros combustíveis fósseis, as cidades europeias e norte-americanas se encheram de poluição. Rios foram contaminados, florestas derrubadas e a saúde pública sofreu. Foi a partir daí que algumas vozes começaram a se levantar.
Nesse período, surgem as primeiras correntes de pensamento que podemos chamar de precursoras do ambientalismo moderno:
Preservacionismo: Movimento que defendia a proteção de áreas naturais intocadas, como santuários, onde a intervenção humana deveria ser mínima. Um dos seus grandes nomes foi o naturalista John Muir (1838-1914), que foi fundamental para a criação de parques nacionais nos Estados Unidos, como o Yosemite.
Conservacionismo: Diferente do preservacionismo, o conservacionismo defendia o uso racional e sustentável dos recursos naturais. A ideia era que a natureza deveria ser "gerenciada" para garantir que as gerações futuras também pudessem usufruir dela. O principal defensor dessa corrente foi Gifford Pinchot (1865-1946), que cunhou o termo "conservação dos recursos naturais".
O marco do ambientalismo moderno: o livro "Primavera Silenciosa"
O grande catalisador do movimento ambientalista como conhecemos hoje foi o livro "Primavera Silenciosa" (1962), da bióloga marinha Rachel Carson. A obra não apenas alertou para os perigos do uso indiscriminado de pesticidas como o DDT, mas também explicou, de forma acessível, como essas substâncias afetavam toda a cadeia alimentar, do solo aos pássaros e aos seres humanos.
O livro de Carson foi um choque para a sociedade e gerou uma enorme onda de conscientização. Ele é considerado o ponto de partida para o ambientalismo de massa, que deixou de ser uma preocupação de nicho de naturalistas e se tornou um movimento social e político global.
A partir de "Primavera Silenciosa", a preocupação ambiental se expandiu para questões como a poluição da água e do ar, a extinção de espécies e as mudanças climáticas. Isso levou à criação de leis de proteção ambiental, à fundação de organizações não governamentais (ONGs) como o Greenpeace e o WWF e a conferências internacionais, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Rio-92.
Hoje, o ambientalismo continua evoluindo, abordando novos desafios como a justiça climática, a economia circular e a bioeconomia.
Extra
A dualidade entre John Muir e Gifford Pinchot é o coração do primeiro grande debate ambientalista nos Estados Unidos e define duas abordagens que ainda se refletem nas discussões atuais.
John Muir: O Preservacionista
John Muir (1838-1914) era um naturalista, escritor e ativista que se apaixonou pela vida selvagem do Oeste americano, especialmente as montanhas da Califórnia. Para ele, a natureza tinha um valor intrínseco, espiritual e estético, que ia além de sua utilidade para o ser humano.
Sua filosofia, o preservacionismo, defendia que certas áreas naturais deveriam ser protegidas e mantidas em seu estado original, sem interferência humana. Muir via a natureza como um lugar sagrado, uma "catedral" que nutria a alma. Sua visão era que a civilização estava destruindo a beleza e a pureza do mundo natural e que, para evitar isso, grandes áreas deveriam ser designadas como parques nacionais.
Ideias-chave:
A natureza tem valor próprio, não apenas utilitário.
É dever do ser humano proteger e não explorar a natureza "selvagem".
A natureza serve como um refúgio espiritual e de lazer para a humanidade.
Muir foi fundamental para a criação de parques nacionais como Yosemite e Sequoia. Ele fundou o Sierra Club, uma das organizações ambientais mais antigas e influentes dos Estados Unidos, que continua sua missão de proteger a natureza.
Gifford Pinchot: O Conservacionista
Gifford Pinchot (1865-1946) foi o primeiro chefe do Serviço Florestal dos EUA e uma figura central no governo do presidente Theodore Roosevelt. Ele se concentrava no uso racional dos recursos naturais. Sua filosofia, o conservacionismo, não era sobre deixar a natureza intocada, mas sim sobre gerenciar a terra de forma eficiente para o "maior bem, para o maior número, pelo maior tempo".
Pinchot era um tecnocrata e um pragmático. Ele acreditava que a natureza existia para servir à humanidade, mas que essa utilização deveria ser planejada e sustentável. Para ele, o desperdício era o grande problema. O desmatamento descontrolado e a exploração predatória de minérios eram prejudiciais porque esgotavam os recursos que as futuras gerações precisariam.
Ideias-chave:
Os recursos naturais devem ser geridos de forma científica e eficiente.
A natureza é uma fonte de recursos para uso humano.
A exploração deve ser planejada para garantir a sustentabilidade a longo prazo.
Pinchot defendia a criação de florestas nacionais onde a madeira poderia ser cortada de forma controlada e os rios poderiam ser represados para gerar energia e irrigação. Ele via a ciência e a gestão pública como as ferramentas para garantir que os recursos não se esgotassem.
O grande conflito: O Vale de Hetch Hetchy
O embate entre as duas filosofias chegou ao auge com o debate sobre a construção de uma barragem no Vale de Hetch Hetchy, dentro do Parque Nacional de Yosemite, no início do século XX.
John Muir (Preservacionista) liderou a oposição, argumentando que a barragem destruiria uma paisagem de beleza incomparável e sagrada. Ele via a represa como uma profanação.
Gifford Pinchot (Conservacionista) apoiou a construção, argumentando que a barragem forneceria água e energia essenciais para a cidade de São Francisco, servindo a milhares de pessoas. Para ele, o uso pragmático do rio era um exemplo perfeito de conservação racional.
Pinchot venceu o debate, e a barragem foi construída. No entanto, o embate deixou claro as diferenças fundamentais entre os dois pensamentos. O preservacionismo de Muir deu origem a movimentos que buscam proteger parques e reservas, enquanto o conservacionismo de Pinchot influenciou a criação de agências governamentais de gestão de recursos e a ideia de "desenvolvimento sustentável" que usamos hoje.
Leituras recomendadas
pt.wikipedia.org - Ambientalismo - Histórico
en.wikipedia.org - Timeline of history of environmentalism
en.wikipedia.org - Conservation movement - History
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