Francisco Quiumento e Gemini da Google
Se fôssemos procurar um único animal que encapsulasse o impacto humano no planeta, ele não seria o leão majestoso, nem a baleia azul ameaçada. Seria, surpreendentemente, a galinha doméstica. Com uma população global que beira os 23 bilhões de indivíduos, a ave mais numerosa do mundo é mais do que apenas uma fonte de proteína; é um símbolo biológico e geológico da nossa época: o Antropoceno.
O Antropoceno — a era caracterizada pela atividade humana como a principal força de alteração climática e ambiental da Terra — tem no frango moderno o seu "fóssil vivo" mais imediato. Originalmente descendente de uma espécie selvagem do sudeste asiático, a galinha sofreu uma transformação extraordinária e acelerada nas últimas décadas. Desde os anos 1950, a criação seletiva focada em engorda rápida alterou drasticamente sua biologia. A evolução, que costuma levar milhões de anos, foi comprimida em poucas gerações, resultando em uma ave com ossos quimicamente e geneticamente modificados, e um tamanho corporal irreconhecível em comparação com seus ancestrais mais recentes.
Produção de carne de frango, global, real e projetada, 1950 a 2050.[Qualman, 2018]
Os números apenas reforçam essa supremacia. Os 65,8 bilhões de galinhas abatidas em 2016 superaram em muito o abate de qualquer outro gado. Em contraste, espécies selvagens, como o outrora abundante pombo-passageiro (hoje extinto), foram eclipsadas. A ascensão do frango de consumo, com uma vida útil de apenas cinco a sete semanas, reflete o declínio da biodiversidade selvagem e a expansão de um sistema de produção intensiva que confina cerca de 70% dessas aves.
“Estamos produzindo muita carne de frango: cerca de 110 milhões de toneladas por ano. E estamos produzindo cada vez mais. Em 1966, a produção global era de 10 milhões de toneladas. Em apenas doze anos, em 1978, conseguimos dobrar a produção. Quatorze anos depois, em 1992, conseguimos dobrá-la novamente, para 40 milhões de toneladas. Dobramos novamente para 80 milhões de toneladas em 2008. E estamos a caminho de outra duplicação — a projeção é de 160 milhões de toneladas por ano antes de 2040. Em meados do século, a produção deverá ultrapassar 200 milhões de toneladas — 20 vezes os níveis de meados da década de 1960. O gráfico desta semana mostra o aumento constante da produção. As fontes de dados estão listadas abaixo.
A capacidade da nossa civilização petroindustrial de dobrar e redobrar a produção é impressionante. E parece não haver limite reconhecido. A maioria prevê que, à medida que a população e os níveis de renda aumentam na segunda metade do século — à medida que mais um ou dois bilhões de pessoas se juntam à "classe média global" — o consumo de frango e outras carnes dobrará novamente entre 2050 e 2100. Antes do fim deste século, o consumo de carne (frango, porco, carne bovina, cordeiro, peixes de viveiro e outras carnes) pode chegar a um trilhão de quilos por ano.”[Qualman, 2018]
Essa taxa exponencial não é apenas sobre alimentar uma população crescente, mas reflete o aumento dos níveis de renda e a expansão da "classe média global". A projeção de consumo de carne (incluindo frango) atingir um trilhão de quilos por ano antes do final deste século demonstra que a pressão humana sobre a biosfera, materializada no osso da galinha, é uma tendência sem limite aparente.
Ao examinar o registro arqueológico, os cientistas preveem que os ossos de galinha serão uma marca definidora das rochas da nossa era, encontradas ao lado de latas e plásticos. Essa onipresença atesta como as atividades humanas alteraram as paisagens, a atmosfera e, fundamentalmente, a biosfera. A galinha moderna é, portanto, a prova material de que os animais domesticados, modificados para servir ao consumo humano, dominam agora o mundo natural.
Viver no "Planeta das Galinhas" é uma metáfora poderosa. Não se trata apenas da abundância da ave, mas do que sua existência massiva e artificialmente acelerada representa: o legado físico e biológico da nossa civilização. É um espelho do nosso consumo e um aviso gravado em osso sobre a extensão do nosso domínio e a urgência de repensar nosso impacto.
Referência e leituras extras
Briggs, Helen (2018) Por que estamos vivendo no ‘planeta das galinhas’, segundo cientistas. BBC News, 12 dezembro 2018. https://www.bbc.com/portuguese/geral-46538653
Qualman, Darrin (2018) Earth’s dominant bird: a look at 100 years of chicken production. January 24, 2018. https://www.darrinqualman.com/100-years-chicken-production/
Palavras-chave
#PlanetaDasGalinhas #Antropoceno #Sustentabilidade #ImpactoAmbiental #Ciência #Evolução
Nenhum comentário:
Postar um comentário