sábado, 31 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica IV

Pesca

Peixes e outros animais marinhos, as vítimas maiores de nossa presença na Terra


Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento


Durante a Segunda Guerra Mundial, os oceanos testemunharam uma situação inusitada. Com a presença massiva de submarinos e navios de guerra de nações beligerantes, o risco de torpedos e a mobilização de recursos para o conflito desviaram os grandes barcos pesqueiros de suas rotas habituais. Essa interrupção forçada na pesca industrial criou um cenário de alívio sem precedentes para os ecossistemas marinhos. O resultado foi uma explosão populacional de peixes de diversas espécies, em consonância com os princípios de Darwin e a resiliência intrínseca da dinâmica natural da vida. Essa breve 'pausa' global evidenciou a extraordinária capacidade de recuperação dos estoques pesqueiros quando a pressão humana é temporariamente removida.

Ao contrário de espécies que cultivamos intensivamente, como vacas e trigo – onde o ciclo de produção é controlado e visível –, ou das que convivem pacificamente conosco (pardais, pombos) e até das que gostamos pela companhia (gatos, cães), a produção de peixes para alimento em cativeiro, a aquicultura, é ainda pouco significativa se comparada ao volume pescado. Embora o setor venha crescendo, a vasta maioria do peixe e dos frutos do mar que consumimos é extraída diretamente dos ecossistemas naturais. Peixes são, de certa maneira, retirados em uma escala análoga à da mineração, onde frotas pesqueiras operam em águas doce e salgada, utilizando técnicas que varrem vastas áreas e não priorizam a regeneração ou o equilíbrio ambiental.[Nota 1]

É verdade que hoje cultivamos diversas espécies marinhas e de água doce, como salmões, tilápias e ostras, por meio da aquicultura. Em alguns casos, as quantidades produzidas já superam as populações naturais pré-intervenção humana. No entanto, é crucial entender que, apesar do crescimento da aquicultura, o volume de pescado e outras formas de vida aquática removidas para qualquer fim dos ambientes naturais ainda é imensamente superior ao que cultivamos. Além disso, paradoxalmente, parte significativa da aquicultura depende de peixes selvagens – transformados em farinha de peixe – para alimentar as espécies em cativeiro, criando um ciclo que ainda exerce pressão sobre os estoques naturais e agrava o problema da sobrepesca.


Assim, em contraste com a explosão populacional verificada durante a Segunda Guerra Mundial, o cenário atual é alarmante: é provável que (e já parece acontecer) determinadas espécies sofram colapsos populacionais dramáticos. A sobrepesca exaure os estoques a ponto de a recuperação se tornar inviável, mesmo para espécies com alta resiliência genética. Espécies como o bacalhau do Atlântico Norte ou certas populações de atum, por exemplo, já sentiram o peso dessa pressão. Além disso, a remoção massiva de espécies-chave impacta toda a cadeia alimentar: predadores ficam sem alimento, e presas de espécies não alvo da pesca podem proliferar descontroladamente, causando desequilíbrios. A pesca seletiva, especialmente em águas doces, pode ainda levar à proliferação de espécies nocivas ou de vetores de doenças, alterando a composição biológica dos ecossistemas de forma imprevisível e muitas vezes prejudicial.[Nota 2]


Tunídeos, as várias espécies de atuns, um dos grupos de peixes mais ameaçados pela pesca.


A questão dos efluentes urbanos e industriais nas massas de água (rios, lagos e áreas costeiras) é igualmente problemática para a atividade pesqueira, embora este ponto não seja o foco principal desta discussão.[Nota 3]



É imperativo destacar que, mesmo a chamada 'pesca esportiva', em sua escala atual, tornou-se uma ameaça considerável. Longe de ser apenas um lazer inofensivo, a busca por grandes exemplares para 'pesca-troféu' coloca em risco a sobrevivência de espécies de grande porte, essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas. Com a intensificação dessa prática e a redução contínua das populações selvagens, o risco é que imagens tão emblemáticas quanto as relatadas em 'O Velho e o Mar', de Ernest Hemingway (levado às telas com Spencer Tracy em 'The Old Man and the Sea', 1958), ou mesmo o imponente tubarão branco de 'Tubarão' (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, passem a existir apenas na literatura, no cinema e na memória coletiva, distantes da realidade de oceanos cada vez mais esvaziados.


Graças aos avanços na agricultura – com genética, fertilizantes e defensivos –, realizamos um verdadeiro milagre da multiplicação dos pães. Conseguimos otimizar a produção terrestre a níveis antes impensáveis, controlando ciclos de cultivo, ambientes e reprodução. Contudo, garanto que o correspondente para os peixes, em ambiente natural, não conseguiremos realizar. A complexidade dos ecossistemas aquáticos, a dificuldade de monitorar e controlar populações selvagens em vastos oceanos e a ausência de uma 'cerca' ou 'campo' para o manejo impedem a replicação do mesmo modelo de intervenção e otimização que aplicamos à terra firme.

Assim, a escala atual de nossa atividade extrativa de espécies aquáticas – impulsionada pelo crescimento populacional e pelo insaciável apetite humano por peixes e outros frutos do mar – aponta para um desfecho sombrio: o colapso da própria pesca como a conhecemos. Essa exploração desenfreada ameaça não apenas a continuidade de uma atividade econômica vital, mas também a integridade de ecossistemas inteiros. Em uma triste e irônica metáfora evolutiva, o fim da abundância marinha nos remete a um paradoxo: a civilização humana, que deu seus primeiros passos e se desenvolveu a partir da vida que emergiu dos oceanos, agora corre o risco de esgotar justamente essa fonte primordial. A inação pode significar o fim de uma era, onde a abundância marinha passará de recurso a lembrança.[Nota 4]


Notas

Nota 1: Métodos de Pesca Devastadores

A busca por grandes volumes de pescado levou ao desenvolvimento de métodos extremamente destrutivos. A pesca de arrasto, por exemplo, envolve redes gigantes que varrem o fundo do oceano, destruindo habitats vitais como recifes de coral e leitos de algas marinhas, e capturando uma vasta quantidade de "bycatch" (espécies não-alvo, que são descartadas mortas). Outras práticas incluem a pesca com dinamite ou cianeto, que matam indiscriminadamente a vida marinha e danificam permanentemente os ecossistemas, acelerando o esgotamento dos estoques.

Nota 2: Áreas de Preservação Marinha (APMs) e Recuperação 

A experiência da Segunda Guerra Mundial, com a recuperação dos estoques pesqueiros, ressalta a capacidade de regeneração dos oceanos quando a pressão humana diminui. Esse princípio é a base das Áreas de Preservação Marinha (APMs), espaços designados para proteger a vida e os habitats marinhos. Estudos mostram que APMs eficazes podem levar ao aumento da biomassa de peixes, do tamanho dos indivíduos e da diversidade de espécies, com benefícios que se espalham para fora de seus limites, auxiliando na recuperação de áreas adjacentes.

Nota 3: O Impacto dos Efluentes 

Embora este texto se concentre na pesca como atividade extrativa, é crucial reconhecer que a poluição por efluentes urbanos e industriais representa uma ameaça paralela e igualmente grave para os ecossistemas aquáticos. Despejos de esgoto sem tratamento, resíduos químicos e metais pesados contaminam rios, lagos e áreas costeiras, afetando diretamente a saúde dos peixes e outros animais marinhos, e comprometendo a segurança alimentar de quem deles se alimenta. Os fosfatos relacionados com nossos fertilizantes agrícolas e produtos de limpeza, como os detergentes, contribuem com a eutrofização (excessiva reprodução de vegetais aquáticos). Estes são problemas complexos que merecem análises aprofundadas, mas que escapam ao escopo imediato desta discussão sobre a pesca.

Nota Z: A Importância da Proteína de Peixe na Dieta Global 

O peixe e os frutos do mar são uma fonte crucial de proteína para bilhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento e comunidades costeiras. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estima que centenas de milhões de pessoas dependem diretamente da pesca e aquicultura para subsistência e segurança alimentar. Essa dependência sublinha a urgência de gerir os recursos pesqueiros de forma sustentável para evitar uma crise alimentar e social.

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