sexta-feira, 30 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica III

 A escala das nossas cidades


Ou como as florestas se tornarão obrigatoriamente parques.



Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento



Roma, no auge do Império Romano, esteve entre as maiores cidades da Terra. Babilônia é citada à exaustão, inclusive na Bíblia.


Para economizar outra progressão, digamos imediatamente que encontrariam hoje rivais em bairros de São Paulo, e não na própria São Paulo.



A Grande São Paulo, imagem do Landsat - Wikipedia


Mas nossa Roma não é mais São Paulo, ou mesmo a Grande São Paulo. Nossa Babilônia seria a 'região metropolitana estendida' São Paulo-Campinas – um termo técnico que, talvez, diminua o pavor de uma megalópole que mancha de cinza e avermelhados, mesmo vista do espaço, toda uma significativa fração do sudeste brasileiro.


Mas o problema não é terrível para os brasileiros. Os EUA têm sua "BosWash", de Boston a Washington, com seus 50 milhões de habitantes, a China tem a sua na região do delta do rio Pérola (com a formal sigla PRD), o Japão em Tóquio e até os europeus tem a sua, com o interessante nome de Banana Azul (e notemos que neste caso a "cidade" rompe países).[Nota 1]


Dokov, Hristo & Stamenkov, Ivaylo. (2016). Framing a new spatial development model of Europe: The Greenish Zone. www.researchgate.net 



Desde que o geógrafo Jean Gottmann desenvolveu seus estudos sobre tais aglomerações, em momento algum de nossa história recente o processo de transformação de cidades em grandes cidades e posteriormente em monstruosidades de 50 milhões de habitantes reduziu seu ritmo. Como disse Al Gore, e já o citei nesta série, "temos problemas".


Assim como cidades milenares e berços de nosso desenvolvimento no Ocidente – Londres, Paris ou Roma – necessitavam de parques para se refrescar, oxigenar e propiciar lazer, as megalópoles, fusões de grandes cidades, precisam de espaços verdes em proporção semelhante à mais moderna Nova York.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

Façamo-nos de desatentos agora e esqueçamos que qualquer grande cidade precisa de zonas circundantes para a horticultura.


Façamo-nos de mais desatentos e também esqueçamos que qualquer cidade precise de áreas para a captação de água, atividades de distribuição e logística, transportes e indústria.


Façamo-nos de completos irresponsáveis e não percebamos que uma cidade que cresce empurra para "fora" de si as áreas de produção agropecuária de suas necessidades, e esta área necessária e crescente tem de ocupar outra, que certamente, no longo prazo, seja muito mais necessária que alimentar ou ser cômoda e útil para a área que aqui tratamos como "cinza".


Ainda assim tem-se de manter uma proporção de 'verde' para o 'cinza', da qual não se pode fugir.


Mas ao chegar a determinada escala, as cidades não são mais apenas uma colcha cinza com manchas verdes, mas impõem entre estas manchas verdes, em especial para as espécies animais, uma determinada distribuição e escala das manchas verdes que não resulte em um isolamento genético que mais cedo ou mais tarde eliminará as faunas de cada mancha.


Citando a analogia que fiz da humanidade como formigas vorazes, nossas fronteiras de cidades e respectivas áreas de produção de alimentos e produção industrial com áreas verdes e outros ambientes "selvagens", são as trincheiras onde travamos nossas batalhas com as outras espécies que não nos interessam imediatamente.


Mas nem preciso me preocupar com tal problema (dentre tantos), pois os ecologistas já o fazem em sua luta pela manutenção de ambientes e espécies, e com muito mais qualidade e argumentos do que eu faria. Devo me concentrar noutro ponto, muito mais adequado ao foco que estou dando nesta série de textos.


Chegará a um momento, na taxa de crescimento das cidades que hoje apresentamos, que mesmo com uma distribuição harmoniosa de verdes e cinzas, mesmo dentro de confiável biologia, não teremos mais uma mancha no meio de um sudeste, como é o caso de São Paulo-Campinas (como esta megalópole pudesse ser limitada a só este eixo), e sim, os verdes primordiais sobreviventes é que pintarão uma imensa colcha de combinação de gosto discutível.


Mas nosso problema neste ponto é que não é uma questão de gosto sobre cores e suas combinações, e sim, de aritmética simples.


Certa vez ouvi em um filme a brilhante frase: -Terra é o melhor investimento porque é uma mercadoria que não se produz mais. (Consta que a origem da frase deve-se a Mark Twain.)


Sendo o saldo de terras utilizáveis finito, ao se debitar o mínimo que seja, este saldo diminui.


Tão simples e direto quanto isto.


Só as soluções para os problemas das megalópoles (independentemente de seu crescimento, "pois todo sistema quando não submetido à ação tende ao caos", lembrando a citação de um professor, citando por sua vez um antigo chefe seu) demandam constante e até crescente geração de energia, de onde voltaríamos ao ponto tratado no texto anterior.


Assim, inexoravelmente, mantendo-se o ritmo de crescimento das cidades/população humana, chegaremos a um momento - e este momento, segundo estimativas da WWF [nota 2], já passou, e já estamos 70% acima do que o planeta pode fornecer. (Mesmo que esses números estejam errados, a tendência é inegável e esse patamar será atingido.) As cidades, então, poderão crescer, como amebas que parecem do espaço, mas não terão o que comer.


E como camundongos e coelhos, quando colocados em espaços limitados, comem suas crias...


Talvez...



Notas

Nota 1: A Banana Azul é uma região da Europa com uma concentração de cidades importantes e interligadas, formando um corredor econômico e de desenvolvimento. Ela se estende desde o norte da Inglaterra até o norte da Itália, passando por diversas cidades como Londres, Amsterdão, Bruxelas, Frankfurt, Zurique e Milão. - wikipedia.org 


Nota 2

Dia da Sobrecarga da Terra: Um Sinal de Alerta Global

O Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) é um marco preocupante que sinaliza o momento em que a humanidade consome todos os recursos que a Terra é capaz de renovar em um ano. A partir dessa data, passamos a viver em "dívida ecológica", sobreutilizando a biosfera e esgotando nossos ativos naturais. Historicamente, essa data tem chegado cada vez mais cedo: em 1971, era em 25 de dezembro; em 2000, em 17 de setembro; e em 2023, caiu em 2 de agosto. A marca de 2 de agosto também foi atingida em 2018 e 2022, indicando uma tendência preocupante.

Atualmente, para sustentar nosso ritmo de consumo, a humanidade necessitaria de 1,7 planetas, ou seja, usamos 70% mais recursos do que a natureza pode oferecer anualmente. Essa sobrecarga é global, mas o impacto varia conforme o padrão de consumo de cada país. Se todos vivessem como a população brasileira, o Dia da Sobrecarga da Terra de 2024 seria em 4 de agosto. Contudo, se o mundo seguisse o padrão alemão, seriam necessárias 3 Terras; e se o padrão de consumo fosse o dos Estados Unidos, precisaríamos de 5 planetas para suprir nossas demandas.

As consequências dessa sobrecarga ecológica são alarmantes e já visíveis em diversas partes do mundo: desmatamento, erosão dos solos, perda acelerada de biodiversidade, aumento do dióxido de carbono na atmosfera, eventos meteorológicos extremos mais frequentes e a diminuição da produção alimentar. Como alerta Lewis Akenji, da Global Footprint Network, a sobrecarga da Terra terá um fim. A questão fundamental é como esse fim ocorrerá: por meio de um planejamento consciente e ações mitigadoras, ou pela imposição de um desastre ambiental causado pela nossa inação.

BRION, Jules. Earth Overshoot Day: As of August 2, humanity is incurring an 'ecological debt'. Le Monde, 2 ago. 2023. Disponível em: https://www.lemonde.fr/en/environment/article/2023/08/02/earth-overshoot-day-as-of-august-2-humanity-enters-ecological-debt_6076116_114.html. Acesso em 26 maio 2025.

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