A escala da produção de energia
Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento
Ou como vamos (ou não) chegar "ao rubro".
Observemos que ao longo da história da civilização, e tomemos apenas o, digamos, período cristão, passamos do século I ao século XVII usando apenas: nossos corpos, os corpos de animais, queima de principalmente lenha, e raras rodas d'água.
Com o advento da era industrial, e obviamente do seu motor, com o perdão do trocadilho infeliz, a máquina a vapor, passamos os séculos XVIII e XIX usando crescentemente máquinas a vapor nas mais variadas escalas. Aqui, podemos retornar brevemente a questão da mineração, pois da crescente necessidade de combustível para tais máquinas, nasceu a mineração de carvão, mas nem nos preocupemos com tal ponto, pois como veremos, nosso problema é muito maior do que o consumo de qualquer combustível fóssil e seus efeitos no ambiente.
Com a entrada na, chamemos, era do petróleo, adicionamos um outro combustível fóssil a, chamemos assim, nossa planilha somatória de problemas. Notemos que o petróleo em si não foi o suficiente, e adicionamos a este o gás natural e já avançamos sobre as areias betuminosas, como se evidencia na relação de produção de óleo entre o Canadá e os EUA, e continuamos avançando sobre o xisto e devemos até atacar o metano do fundo dos mares.
Percebamos que a dificuldade de extração e produção de combustíveis não é há muito o nosso problema, e sim, sua disponibilidade limitada.
Encerrada a análise dos combustíveis fósseis, percebamos que, embora sejam usados para a geração de energia elétrica, essa por si já caracteriza uma era de fonte/uso de energia em paralelo com a do petróleo, iniciando-se um pouco antes dela (com o advento da iluminação pública elétrica e do uso de motores elétricos). Também geramos energia por meio de turbinas que em nada se relacionam com os combustíveis fósseis, como as hidrelétricas e as usinas nucleares — sendo esta última, mesmo extremamente dispendiosa, utilizada massivamente (vide a França).
Não satisfeitos em avançar sobre a energia nuclear, mesmo com os riscos e contando com as vantagens de sua enorme capacidade, países, especialmente os ricos, já esgotaram (ou quase) há bastante tempo sua capacidade máxima de gerar energia hídrica. Conjuntamente a isso, avançamos agora sobre a eólica.[Nota 1] Somente nos EUA, fábricas de geradores de grande porte produzem três geradores por dia, permitindo a instalação de uma usina como as que vemos no Brasil (em torno de 75 a 100 geradores) a cada mês.
Ameaçamos avançar sobre a geologia de nosso planeta, com a geração geotérmica, como já o fazem por absoluta disponibilidade e conveniência Islândia e Nova Zelândia. A menção a estes dois países nos leva ao hidrogênio. A geração e o uso de hidrogênio como combustível já são pensados e implementados (em alguns casos, já estão em operação). Isso nos daria os oceanos como uma imensa reserva mineral de matéria-prima, em uma escala inimaginável até mesmo para os magnatas do petróleo da virada do século XIX para o XX, que em sua época – e ainda hoje – construíram os maiores conglomerados industriais da civilização.
Falando em mar, poupar-me-ei de citar as marés e ondas. Acredito que o básico (se é que não é ridículo afirmar isso) já foi apresentado para que se perceba que estamos em uma curva de crescimento exponencial de geração de energia, que cada vez mais fomenta o crescimento de outras atividades que já analisei.
Mas como disse e repito, este ainda não é o nosso maior problema. É crucial entender que, para além do conhecido aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa, há um problema fundamental e físico ligado à própria geração e consumo de energia. No capítulo X de seu livro 'O Universo Numa Casca de Noz', o físico Stephen Hawking apresenta uma questão simples, porém assustadora. Com o crescimento de nossa economia (e esta não relaciona-se diretamente e exatamente com nossa população, observemos), nossa geração de energia, que pela ineficiência que caracteriza todo processo de transformação de energia de algum tipo (como a hidráulica) em mecânica (qualquer máquina acionada por motor elétrico, por exemplo), ocorre uma dissipação de calor.[Nota 2] Este calor irá para o ambiente, e o aquecerá (e nada adianta construirmos refrigeradores para o ambiente, pois a sua ineficiência gerará mais calor ainda para o ambiente). Com a progressão que temos no crescimento da geração de energia (e lógico, de seu consumo), conforme os cálculos apresentados por Hawking, em cerca de 600 anos, pelos números históricos, nosso planeta chegará a temperatura de um metal ao rubro.
Observe-se que isto não tem relação alguma com o que seja o aquecimento global, que relaciona-se teoricamente apenas com a presença de gases de efeito estufa na atmosfera e a energia do Sol, que lembrando bem, nem citei como fonte imensa da qual não exploramos uma ínfima parcela.
Mas voltando à temperatura de um metal em brasa, lembremos que não necessitamos de uma temperatura de cauterização para eliminar a possibilidade de vida na Terra (aliás, Vênus já o faz pelo efeito estufa e Mercúrio o sofre pelo Sol). Necessitamos apenas da temperatura de uma sauna para a imensa parte das formas de vida do planeta.
Então, na atual taxa de crescimento de nossa demanda de energia (e esta mostra-se sinergizadora de mais demanda, e não um freio ao processo), chegaremos ao nível do insuportável em muito menos tempo que o que nos separa das grandes navegações europeias.
Somemos um atenuador, para eu não ser acusado de ser um catastrofista (quase histérico). Observemos que nos últimos anos, desenvolvemos um número cada vez maior de "destinos" mais eficientes para nossas fontes de energia, em especial, a elétrica. Lâmpadas que mais iluminam do que geram calor, máquinas com motores mais eficientes (esta progressão, na verdade, vem ocorrendo há mais de um século), processos industriais menos dependentes de calor, etc. Assim, o prazo para nossa temperatura de sauna se estenderia, mas não ilimitadamente, nem mesmo para números muito maiores que aqueles com que Hawking me causou o impacto que causou e motivou este texto, mas sim, o que calcularei agora.
Partiremos para nossos cálculos de nosso atual nível econômico geral, que nos coloca atualmente numa pegada ecológica que já ultrapassa 70% acima da capacidade do planeta, e o consumo de energia, em todas as suas formas, é um dos maiores componentes da pegada ecológica global.[Nota 3]
Agora, para além da sustentabilidade dos recursos, consideremos o impacto térmico direto de nossa geração de energia. Tomando como ponto de partida a projeção de Stephen Hawking, que nos alerta para a dissipação de calor, analisemos um cenário mais conservador. Consideremos que, ao invés de uma economia crescente em 1% ao ano, não tenhamos um crescimento da geração/consumo de energia nem maior nem igual a 1%, e sim, míseros 0,1%. Com base nos dados iniciais e na metodologia de Hawking, partindo da quantidade de calor que produzimos hoje, e notando que este número já está nos cálculos de Hawking, em 500 anos chegaremos a 64% a mais de geração de calor para o ambiente. Então uma nova era das navegações (distante igualmente no tempo) disporá de um número não assustador de calor perdido para o ambiente. Em mil anos, chegaremos a 170%, então talvez, numa nova Idade Média, não tenhamos invernos longos de origem vulcânica, mas sim, verões desconfortáveis. A uma distância no tempo de 2000 anos, talvez voltemos a usar saiotes romanos, pois a dissipação de calor já estará em mais de 600 %. A um intervalo de tempo como o da construção das pirâmides, já estaremos a quase 15 mil %, e talvez invejemos a vida do mais sofrido dos trabalhadores egípcios.
Dois pontos, antes de eu dar o "arremate":
Não precisarei apresentar números de distâncias no tempo como os da adoção da agricultura ou ainda da "eva mitocondrial" para mostrar que tal progressão é insana em seus resultados, e não tardará a chegar ao problema que Hawking aponta.
Observemos – e aqui, na verdade, fui 'desonesto' – que para uma progressão da geração de energia de qualquer valor, a dissipação de calor pela ineficiência ser menor que a própria progressão da geração, a eficiência tem de ser crescentemente maior. Isso gera problemas praticamente insolúveis no tempo, limitados não pela tecnologia, mas sim pelas leis da natureza, ou se quiserem, pela Física.
No artigo "O Coração Turbulento da Terra", Ulisses Capozolli, na SciAm Br de maio de 2011, apresenta o modelo, ou escala, de Nicolai Kardashev, no qual as civilizações de grupo ou nível I, tal como a nossa, que ainda queima árvores abatidas até para esquentar seus alimentos, dispõe de uma oferta energética de aproximadamente 4x10^19 erg/seg (como 1 erg é 1 × 10−7 joule, este valor corresponderia a uns 4x10^12 watts). Numa taxa de crescimento de 3 a 4% ao ano, atingiríamos em 3200 anos o grupo ou nível II (aproximadamente o mundo ficcional de Star Trek), explorando toda a capacidade de geração de energia do Sol, numa escala de 4x10^33 erg/seg. Com mais alguns cálculos, poderíamos chegar ao tempo que levaremos para explorar toda a energia de todas as estrelas da galáxia, no grupo ou nível III, ou 4x10^44 ergs/s.
Números simples, contas fáceis, resultados claros.
Mas ao que me parece, não estamos no planeta para passar abrasador calor, e sim para perpetuarmos nossa espécie (aliás, na verdade, é só isso que fazemos, e às vezes, com os piores tropeços possíveis).
Assim sendo, e tal me parece cristalinamente óbvio, não podemos transformar nosso planeta não na cela da qual por enquanto não podemos sair, e da qual não sairemos por muito tempo, pois isto o planeta que habitamos já é.
Não podemos transformá-lo na fornalha que nos matará.
Notas
Nota 1: Desafios das Energias 'Verdes'
Embora fontes como a eólica e o hidrogênio (quando produzido de forma sustentável) sejam cruciais para a transição energética, elas não estão isentas de desafios. A fabricação de turbinas eólicas e painéis solares, por exemplo, ainda possui uma pegada de carbono e demanda por minerais. Além disso, a implantação de grandes parques eólicos ou usinas hidrelétricas pode ter impactos locais na paisagem, na fauna e na flora, exigindo um planejamento ambiental rigoroso.
Nota 2: A Segunda Lei da Termodinâmica e a Dissipação de Calor
A dissipação de calor mencionada no texto é uma consequência inevitável da Segunda Lei da Termodinâmica (ou Lei da Entropia), que afirma que em qualquer processo de transformação de energia, parte da energia sempre será convertida em calor e se dissipará no ambiente, não podendo ser totalmente reaproveitada para trabalho. É por isso que nenhum processo energético é 100% eficiente, e a tendência natural é o aumento da desordem (entropia) no universo.
Nota 3: Detalhes da Pegada Ecológica
A 'Pegada Ecológica' é uma metodologia de contabilidade de recursos que mede a demanda da humanidade por recursos naturais e serviços ecossistêmicos, comparando-a com a capacidade de regeneração do planeta (biocapacidade). Quando a demanda excede a biocapacidade, entramos em 'dívida ecológica'. O consumo de energia, repetimos, em todas as suas formas, como combustíveis fósseis e uso de energia hídrica, é um dos maiores componentes da pegada ecológica global.
Referências
Hawking, Stephen - O Universo numa Casca de Noz - Editora ARX - 9 ed. - São Paulo, SP - 2002 - ISBN: 85-7581-017-0
ESCALA DE KARDASHEV. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2024. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_de_Kardashev&oldid=67446623>. Acesso em: 8 fev. 2024.
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