sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Os Limites do Crescimento

e a Reinvenção do Progresso

A crise econômica global, muitas vezes debatida sob a ótica da austeridade versus o estímulo keynesiano, ganha uma dimensão alarmante na perspectiva de diversos economistas: a iminência dos limites físicos do planeta. Em suas análisee, que ecoam as preocupações já levantadas por Paul Gilding em "A Grande Ruptura", sugerem que a receita tradicional de crescimento contínuo para superar impasses econômicos é, hoje, uma "ortodoxia anacrônica". A humanidade, que se multiplicou em proporções inimagináveis desde a Revolução Industrial, atingiu um patamar onde a expansão material nos moldes atuais é insustentável. 



O Paradigma do Crescimento: Um Alicerce em Ruínas?

Historicamente, a teoria econômica atrelou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ao bem-estar social. Essa correlação, válida em estágios iniciais de desenvolvimento, quando as necessidades básicas ainda não foram atendidas, perde sua força à medida que as sociedades avançam. Resende argumenta que, superadas as carências fundamentais, o aumento da renda e do consumo material passa a ter pouca correlação com o bem-estar. Em vez disso, fatores como a coesão social, a qualidade da vida comunitária e a menor desigualdade emergem como verdadeiros pilares da felicidade.

A insistência em um modelo de crescimento material é questionada, especialmente quando se trata de combater a pobreza. O economista aponta a desonestidade de levantar a bandeira do crescimento, muitas vezes impulsionado por um consumo supérfluo, em nome da erradicação da miséria, algo que séculos de expansão econômica não foram capazes de resolver. A solução, para estes economistas, não reside em produzir e consumir mais, mas sim em reduzir a desigualdade dos padrões de consumo. Não se trata de negar o acesso a um padrão de vida decente aos menos favorecidos, mas de frear a "espiral de aspirações consumistas estapafúrdias" alimentadas por uma propaganda enganosa.

Capitalismo e Consciência Ecológica: Uma Ruptura Necessária

Entre estes economistas, como por exemplo na tese de André Lara Resende, levanta a inevitável questão sobre o futuro do capitalismo. Embora estre economista não defenda o seu fim, ressalta a necessidade de "rever o que consideramos progresso", o que implica em uma reavaliação profunda de nossa visão de mundo. O sistema de preços, vital para a organização econômica, precisa ter suas limitações reconhecidas, especialmente no que tange aos bens públicos, onde o custo coletivo não se reflete no consumo individual.

A recusa em enxergar e agir sobre os limites ecológicos do planeta aponta para uma transição "muito mais desordenada e onerosa". A falta de uma política pública clara e direcionada, somada à aparente insensibilidade dos governos, agrava o cenário. A experiência do Japão, com duas décadas de estagnação econômica e um elevado nível de qualidade de vida, pode ser vista como um precursor das dificuldades que as economias avançadas enfrentam. A homogeneidade cultural e social do país asiático, no entanto, destaca a complexidade de replicar esse modelo em outras realidades.

Repensando o Futuro

A provocação de André Lara Resende é um chamado à responsabilidade coletiva. A questão dos limites do crescimento não é apenas um problema econômico, mas uma encruzilhada civilizacional que exige uma mudança de mentalidade e de valores. O progresso, antes medido em volume de produção e consumo, precisa ser redefinido para abarcar a sustentabilidade, a equidade e a qualidade de vida. Ignorar esses limites é adiar um ajuste que, inevitavelmente, virá, e que, se não for planejado, poderá ser muito mais doloroso.

Redefinindo o Bem-Estar e o Papel do Estado

Se o crescimento material ilimitado já não é o caminho para o bem-estar, surge a pergunta: como as sociedades podem, então, redefinir o sucesso e a qualidade de vida? A transição de uma métrica centrada no PIB para indicadores mais abrangentes, que considerem a saúde ambiental, a igualdade social e a felicidade subjetiva, torna-se imperativa. Isso implica em um desafio significativo para as políticas públicas, que precisarão se afastar de um modelo focado apenas na expansão econômica e abraçar uma visão mais holística do progresso.

O papel do Estado, nesse contexto, ganha uma nova urgência. Em vez de apenas estimular o consumo, os governos deverão atuar como catalisadores de uma economia circular e regenerativa, que minimize o desperdício, promova a eficiência no uso de recursos e incentive a inovação em tecnologias verdes. Investimentos em educação, saúde, infraestrutura sustentável e em redes de apoio social podem gerar bem-estar sem necessariamente impulsionar o consumo desenfreado de bens materiais.

A Responsabilidade Individual e Coletiva

A análise de André Lara Resende também nos convida a uma profunda reflexão sobre a responsabilidade individual. A narrativa de que a felicidade está atrelada ao consumo, perpetuada por uma indústria de publicidade agressiva, precisa ser desconstruída. É fundamental que as pessoas compreendam que a satisfação duradoura vem de experiências, relacionamentos, propósito e contribuição social, e não da acumulação de bens. Essa mudança de percepção, embora desafiadora, é crucial para a viabilidade de um futuro sustentável.

No entanto, essa responsabilidade não pode recair apenas sobre o indivíduo. A sociedade como um todo, incluindo empresas, instituições de ensino e a mídia, tem um papel fundamental na promoção de novos valores. O consumo consciente, a valorização do local, a economia compartilhada e o desenvolvimento de produtos e serviços que priorizem a durabilidade e a reparabilidade em detrimento da obsolescência programada são passos importantes nessa direção.

Rumo a uma Transição Ordenada (ou Desordenada)

A maior preocupação levantada por Resende é a "recusa de ver e agir" em relação aos limites ecológicos. Essa inação, por parte de governos e da própria sociedade, pode levar a uma transição "muito mais desordenada e onerosa". Catástrofes climáticas, escassez de recursos e crises sociais podem se intensificar se a humanidade não for capaz de se programar para essa mudança de paradigma.

A urgência da situação exige que se rompa com a paralisia e se inicie um debate sério e propositivo sobre como conciliar o desenvolvimento humano com a capacidade finita do planeta. Isso não significa estagnar ou retroceder, mas sim redefinir o que significa avançar. O desafio é imenso, mas a entrevista de André Lara Resende serve como um alerta crucial: a hora de repensar o progresso não é no futuro, mas agora.

Os Desafios da Transição: Do Ideal à Realidade

Mudar um paradigma arraigado como o do crescimento econômico ilimitado não é tarefa simples. Os interesses econômicos e políticos estabelecidos representam um enorme desafio. Grandes corporações, cujos modelos de negócio dependem diretamente do consumo crescente, e governos que ainda medem seu sucesso pelo PIB, terão de enfrentar pressões significativas para se adaptarem. A complexidade da economia global, com suas cadeias de suprimentos interconectadas e o intrincado sistema financeiro, torna qualquer transição ainda mais delicada.

Além disso, há o desafio da aceitação social. Como convencer bilhões de pessoas, especialmente aquelas que estão ascendendo socialmente e finalmente tendo acesso a bens de consumo, a moderar suas aspirações? A resistência cultural e a força da narrativa consumista são barreiras poderosas. A comunicação eficaz sobre os benefícios de uma vida menos materialista e mais focada em qualidade de vida, comunidade e sustentabilidade será crucial, mas extremamente difícil de implementar em larga escala.


Inovação e Novas Métricas: Soluções Emergentes

Apesar dos desafios, diversas soluções e abordagens inovadoras já estão ganhando força. A própria ideia de economia circular, que busca reutilizar, reparar e reciclar produtos e materiais ao máximo, minimizando o desperdício, é um exemplo prático de como operar dentro dos limites planetários. Modelos de negócio baseados em serviços (em vez de venda de produtos), como o aluguel de bens duráveis ou plataformas de compartilhamento, também se alinham a essa nova lógica.

No campo das métricas, a busca por alternativas ao PIB está se intensificando. Países e regiões têm explorado indicadores de bem-estar que consideram a qualidade ambiental, a saúde da população, a equidade social e a satisfação subjetiva. O Butão, com seu Índice Nacional de Felicidade Bruta, é um exemplo pioneiro, mas iniciativas como o "Beyond GDP" da União Europeia e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU mostram um movimento global para uma contabilidade mais abrangente do progresso.

A tecnologia também desempenha um papel ambivalente: se, por um lado, impulsionou o consumo, por outro, pode ser uma ferramenta poderosa para a sustentabilidade. Energias renováveis, inteligência artificial otimizando o uso de recursos, e plataformas digitais que facilitam a economia compartilhada são apenas alguns exemplos. O desafio é direcionar o desenvolvimento tecnológico para soluções que apoiem a regeneração e a resiliência, e não apenas a eficiência extrativista.

Conclusão: Um Chamado à Ação e à Reflexão Profunda

A visão de André Lara Resende é um chamado à reflexão profunda e, acima de tudo, à ação. Não se trata de uma negação do desenvolvimento, mas de uma redefinição urgente e necessária do seu propósito e de suas bases. A transição para um modelo que respeite os limites do planeta e promova um bem-estar genuíno e equitativo exigirá coragem política, inovação tecnológica e uma mudança cultural sem precedentes.

É uma conversa que precisamos ter agora, com urgência. Caso contrário, como alertou Resende, a transição inevitável será imposta a nós de forma muito mais dolorosa e desordenada. A questão é: estamos dispostos a enfrentar essa realidade e moldar um futuro mais promissor, ou continuaremos a adiar o inevitável?

Referências e Sugestões de Leitura

Para aprofundar a discussão sobre os limites do crescimento econômico e a reinvenção do progresso, estas referências e sugestões de leitura podem ser muito úteis:

Artigos e Entrevistas (Mencionados ou Relevantes)

  • Entrevista com André Lara Resende:

    • "André Lara Resende: ‘Temos que rever o que consideramos progresso’", O Globo. (A entrevista que serviu de base para o ensaio.)

  • Artigo de André Lara Resende no Valor Econômico:

    • Embora o artigo específico não esteja linkado na entrevista, a menção sugere a busca por publicações recentes do autor sobre o tema.

Livros (Mencionados ou Temáticos)

  • Gilding, Paul. A Grande Ruptura: Como a Crise Ecológica Global Pode nos Levar a um Futuro Melhor. (O livro recomendado por André Lara Resende, central para a compreensão da tese da "grande ruptura" e dos limites planetários.)

  • Meadows, Donella H.; Meadows, Dennis L.; Randers, Jorgen; Behrens III, William W. Limites do Crescimento: Um Relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Predicamento da Humanidade. (Um clássico de 1972 que foi pioneiro na discussão sobre os limites do crescimento com base em modelos de computador. Fundamental para entender as raízes do debate.)

  • Raworth, Kate. Economia Donut: Sete Maneiras de Pensar como um Economista do Século XXI. (Propõe um modelo econômico que busca operar dentro dos limites ecológicos do planeta, ao mesmo tempo em que atende às necessidades sociais básicas. Uma leitura essencial para a "redefinição do progresso".)

  • Jackson, Tim. Prosperity Without Growth: Foundations for the Economy of Tomorrow. (Argumenta que uma economia sustentável e próspera é possível sem o crescimento contínuo do consumo material, explorando alternativas para a concepção de bem-estar.)

Conceitos e Iniciativas Relevantes

  • Economia Circular: Pesquise sobre a Fundação Ellen MacArthur para entender os princípios e exemplos práticos da economia circular.

  • "Beyond GDP" (Além do PIB): Explore iniciativas e relatórios que buscam desenvolver novas métricas de progresso social e ambiental que vão além do Produto Interno Bruto, como as discussões na União Europeia e em outras organizações.

  • Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU: A Agenda 2030 e seus 17 ODS oferecem um roteiro global para um desenvolvimento mais equitativo e sustentável.

  • Felicidade Bruta Interna (FIB): O conceito desenvolvido pelo Butão, que prioriza o bem-estar e a sustentabilidade sobre o crescimento econômico puro, é um exemplo prático de redefinição de progresso.

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