A discussão sobre a superpopulação da Terra é um tema complexo e crucial para o futuro do nosso planeta. Robert Engelman, em suas análises, nos convida a uma meditação profunda sobre a finitude dos recursos terrestres e a crescente competição que surge com o aumento do número de habitantes. Em "Seis Bilhões na África" (SciAmBr, Março de 2016), ele enfatiza que "A Terra é um lugar finito. Quanto maior o número de pessoas que a habitam, mais elas têm de competir por seus recursos." Essa afirmação ressalta uma verdade inegável: a demanda por água potável, alimentos, energia, moradia e espaço físico aumenta exponencialmente com o crescimento populacional. As consequências dessa competição são vastas e preocupantes, podendo levar à escassez e ao aumento de preços, conflitos sociais e geopolíticos, degradação ambiental e uma diminuição generalizada na qualidade de vida.
Sustentabilidade Sem Controle Coercitivo
No entanto, Engelman e outros especialistas oferecem uma perspectiva mais esperançosa e ética em artigos como "Population and Sustainability: Can We Avoid Limiting the Number of People?". A grande sacada aqui é a ideia de que "Desacelerar o aumento do número de seres humanos é essencial para o planeta - mas não exige controle populacional." Essa abordagem afasta-se de medidas coercitivas e foca em soluções que respeitam a autonomia e os direitos humanos.
Caminhos para um Futuro Sustentável
Ao invés de "controle", o foco se volta para estratégias que se alinham com o desenvolvimento humano e a justiça social. Entre as principais estão:
Educação e Empoderamento Feminino: Mulheres com maior acesso à educação e a oportunidades econômicas tendem a fazer escolhas informadas sobre o tamanho de suas famílias, resultando em taxas de natalidade menores por escolha e não por imposição.
Acesso Universal a Métodos Contraceptivos: Garantir que todas as pessoas tenham acesso fácil e acessível a uma variedade de métodos contraceptivos seguros e eficazes é fundamental para reduzir gestações não intencionais e permitir o planejamento familiar.
Educação Sexual Abrangente: Informação de qualidade sobre saúde reprodutiva e sexualidade é essencial para decisões conscientes.
Melhoria da Saúde Materno-Infantil: Reduzir a mortalidade infantil pode diminuir a necessidade de ter muitos filhos para garantir a sobrevivência da prole.
Redução da Pobreza: À medida que as condições de vida e a segurança econômica melhoram, as taxas de natalidade tendem a diminuir naturalmente.
Essas abordagens éticas e eficazes mostram que é possível impactar positivamente as tendências populacionais através da promoção dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade, portanto, não é apenas uma questão ambiental, mas um desafio que exige uma visão social e ética integrada.
Um Caminho Darwinista para a Sustentabilidade
Como mamíferos, nosso caminho evolutivo estabeleceu que a condução do amadurecimento de nossas "crias" é predominantemente feminina. Iniciativas de crédito solidário e medidas sociais já reconhecem há tempos o papel central das mães nos núcleos familiares. Esse aspecto comportamental e biológico do ser humano tem, portanto, um peso fundamental para a questão populacional.
Historicamente, o controle sobre a fertilidade e as decisões reprodutivas têm sido desproporcionalmente exercido sobre as mulheres. No entanto, quando as mulheres têm acesso à educação, a oportunidades econômicas e, consequentemente, à informação e aos serviços de saúde reprodutiva, elas ganham autonomia para decidir sobre seus próprios corpos e seus futuros. Essa autonomia não apenas as beneficia individualmente, mas tem um impacto profundo e positivo nas comunidades, na sociedade como um todo e na busca pela sustentabilidade global.
O Empoderamento Feminino como Alicerce da Sustentabilidade
Pensemos juntos:
Escolha Informada: Mulheres educadas e empoderadas são mais propensas a adiar o casamento e a primeira gravidez, a ter acesso a métodos contraceptivos e a planejar o tamanho de suas famílias de acordo com seus desejos e recursos. Não é sobre ter menos filhos, mas sobre ter os filhos que se deseja, quando se deseja.
Melhoria da Saúde e Bem-Estar: O empoderamento feminino está diretamente ligado a melhores indicadores de saúde materna e infantil. Famílias menores e mais bem planejadas tendem a ter mais recursos para investir na saúde e educação de cada criança.
Benefícios Sociais e Econômicos Amplos: Mulheres educadas e participativas no mercado de trabalho contribuem significativamente para a economia e para o desenvolvimento social de seus países. Isso pode levar a um ciclo virtuoso de prosperidade e redução da pobreza, que, como vimos, também impacta positivamente as taxas de natalidade.
Resiliência Comunitária: Comunidades onde as mulheres são empoderadas tendem a ser mais resilientes diante de desafios ambientais e sociais, pois elas desempenham um papel vital na gestão de recursos, na agricultura sustentável e na educação familiar.
Essa perspectiva reforça a ideia de que a solução para a questão da população e sustentabilidade não está em imposições externas, mas em capacitar indivíduos, especialmente as mulheres, para que tomem decisões autônomas e informadas. É uma abordagem humanitária e eficaz, que reconhece o papel central da mulher na sociedade e na construção de um futuro mais equilibrado.
A Visão de David Attenborough: Um Chamado Urgente e Holístico
A voz de Sir David Attenborough ecoa com uma autoridade e uma urgência inquestionáveis quando o assunto é o futuro do nosso planeta. Em uma entrevista de 2018 com a BBC Newsnight, divulgada pelo SoCientífica, Attenborough, aos 92 anos, abordou múltiplos desafios que a humanidade enfrenta, reforçando a interconexão entre eles. Suas palavras, "A longo prazo, o crescimento populacional tem que chegar ao fim", somam-se à discussão que temos tido, enfatizando que a longevidade humana, como a sua própria, é um fator a ser considerado nesse cenário.
Attenborough não é apenas um naturalista renomado, mas um comunicador que soube, por meio de obras como "Blue Planet II", catalisar debates globais sobre questões críticas como a poluição plástica. Ele defende a ação individual – como evitar o uso de plástico – mas sublinha que a mudança fundamental virá da ação política e da eleição de líderes que compreendam a gravidade da situação. Essa distinção é crucial: enquanto ações pessoais são importantes para conscientização e expressar preocupação, o impacto sistêmico exige decisões políticas difíceis.
Dieta, População e Mudança de Mentalidade
A discussão sobre o vegetarianismo é outro ponto de convergência interessante. Attenborough, embora reconheça a natureza onívora da espécie humana do ponto de vista biológico, argumenta que, em nosso estágio de evolução social, a destruição de florestas e planícies para nos alimentar de carne não é mais prática. Essa observação reforça a necessidade de modificar nossa dieta como uma medida de sustentabilidade.
No que tange ao crescimento populacional, sua preocupação é palpável. Embora admita que haja argumentos para a estabilização natural da população, Attenborough teme que, quando isso ocorrer, a população global já possa ser insustentável. Essa visão alinha-se à premissa de Robert Engelman de que "desacelerar o aumento do número de seres humanos é essencial para o planeta".
Otimismo Cauteloso em Meio aos Desafios
Mesmo diante de desafios como a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, Attenborough expressa um otimismo cauteloso. Ele acredita que a onda internacional de reconhecimento do impacto humano no planeta e a urgência de agir superarão recuos pontuais. Para ele, a atitude dos EUA, nesse contexto, seria percebida como "ultrapassada" e não impediria o movimento global em direção à sustentabilidade.
Em suma, Attenborough nos lembra que a crise planetária é multifacetada e exige uma abordagem holística: desde a conscientização individual e a mudança de hábitos, passando pela urgência de frear o crescimento populacional, até a pressão política para que governantes tomem as decisões necessárias. Sua mensagem é um poderoso endosso à ideia de que a sustentabilidade demanda uma transformação em larga escala, que transcende fronteiras e estilos de vida.
Malthus Revisto: O "Neomalthusianismo" de Attenborough
Enquanto Malthus, no século XVIII, focava principalmente na capacidade de produção de alimentos versus o crescimento populacional exponencial, o "neomalthusianismo" de Attenborough expande essa visão para incluir uma gama muito mais ampla de recursos naturais e serviços ecossistêmicos que estão sob pressão. Ele não se limita apenas à comida, mas também à água potável, ao espaço físico, à biodiversidade e à capacidade do planeta de absorver nossa poluição e resíduos.
Além disso, a visão de Attenborough (e de Engelman, como vimos) diverge do malthusianismo clássico ao não propor soluções coercitivas. Em vez disso, a ênfase é colocada na conscientização, na educação, no empoderamento (especialmente das mulheres) e nas mudanças comportamentais e políticas que podem levar a uma desaceleração ou estabilização populacional de forma ética e voluntária. Ele entende que a longevidade humana é um fator que, embora positivo em si, adiciona um componente à equação populacional, exigindo uma reavaliação de nossos padrões de consumo e reprodução.
A Perspectiva Neomalthusiana: Uma Leitura Atualizada de um Velho Dilema
A perspectiva neomalthusiana representa uma atualização das ideias originalmente propostas pelo economista e demógrafo britânico Thomas Malthus no final do século XVIII. Em sua obra "Um Ensaio Sobre o Princípio da População", Malthus argumentava que, enquanto a população cresceria em progressão geométrica (1, 2, 4, 8...), a produção de alimentos aumentaria apenas em progressão aritmética (1, 2, 3, 4...). Isso levaria, inevitavelmente, a crises de fome, doenças e guerras, que ele chamou de "freios" naturais ao crescimento populacional.
O Que Muda no Neomalthusianismo?
A visão neomalthusiana contemporânea mantém a preocupação central com o desequilíbrio entre o crescimento populacional e a capacidade de suporte do planeta, mas a expande e a refina de diversas maneiras:
Recursos Abrangentes: Diferente de Malthus, que focava predominantemente na produção de alimentos, os neomalthusianos de hoje consideram uma gama muito mais ampla de recursos finitos. Isso inclui água potável, energia (combustíveis fósseis e renováveis), matérias-primas, biodiversidade, terras cultiváveis e até mesmo a capacidade de ecossistemas absorverem poluição e resíduos.
Impacto Ambiental: A perspectiva neomalthusiana integra fortemente a dimensão ambiental. O crescimento populacional é visto como um fator significativo na degradação ambiental, contribuindo para as mudanças climáticas, desmatamento, perda de biodiversidade, esgotamento de solos e poluição em larga escala.
Soluções Éticas e Voluntárias: Ao contrário das interpretações mais rígidas ou das medidas coercitivas que, por vezes, foram associadas ao malthusianismo, a abordagem neomalthusiana moderna enfatiza soluções éticas, voluntárias e baseadas em direitos humanos. Isso inclui:
Educação e Empoderamento: Especialmente o acesso à educação para mulheres e meninas, que comprovadamente leva a taxas de natalidade mais baixas por escolha informada.
Acesso Universal à Saúde Reprodutiva: Garantir que todos tenham acesso a planejamento familiar, métodos contraceptivos e informações de saúde.
Redução da Pobreza e Melhoria da Qualidade de Vida: Países com melhores condições de vida e menor mortalidade infantil tendem a ter famílias menores.
Consumo e Estilo de Vida: Muitos neomalthusianos também destacam que o problema não é apenas o número de pessoas, mas como as pessoas vivem e consomem. Países com alto consumo per capita têm um impacto ambiental muito maior do que aqueles com populações maiores, mas com menor pegada ecológica individual. Assim, a discussão se estende a padrões de consumo insustentáveis.
Longevidade: Como apontado por David Attenborough, o aumento da longevidade humana, embora uma conquista, também contribui para o total de pessoas vivendo simultaneamente no planeta, adicionando outra camada à complexidade do desafio.
Em resumo, uma perspectiva neomalthusiana reconhece a finitude da Terra e a pressão insustentável que o crescimento populacional (aliado a padrões de consumo) pode exercer sobre seus sistemas. No entanto, busca soluções que respeitem a dignidade humana e promovam o desenvolvimento sustentável, em vez de recorrer a medidas drásticas ou coercitivas.
"Somos muitos, somos demais." - Máxima neomalthusiana que adotei.
Nosso número já é excessivo e nosso consumo individual médio já é demasiado.
Notas e referências
Africa's Population Will Soar Dangerously Unless Women Are More Empowered
Population projections for the continent are alarming. The solution: empower women
February 1, 2016
Outros artigos do autor:
Population and Sustainability: Can We Avoid Limiting the Number of People?
Slowing the rise in human numbers is essential for the planet--but it doesn't require population control
June 1, 2009
http://www.scientificamerican.com/article/population-and-sustainability/
http://www.worldwatch.org/users/robert-engelman
SoCientífica. (2018, 7 de outubro). Para salvar o planeta, o crescimento populacional tem que acabar, diz David Attenborough. SoCientífica. Recuperado de https://socientifica.com.br/para-salvar-o-planeta-o-crescimento-populacional-tem-que-acabar-diz-david-attenborough/
Palavras chave
#Superpopulação #Sustentabilidade #RecursosFinitos #RobertEngelman #DavidAttenborough #Neomalthusianismo #EmpoderamentoFeminino #Educação #PlanejamentoFamiliar #SaúdeReprodutiva #ImpactoAmbiental #MudançasClimáticas #ConsumoConsciente #DegradaçãoAmbiental #OtimismoCauteloso #CrescimentoPopulacional #FinitudeDaTerra
Nenhum comentário:
Postar um comentário