segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Os Dois Lados da Algaroba

Dilemas de uma Espécie Invasora no Semiárido Brasileiro

A algaroba (Prosopis juliflora) representa um dos mais emblemáticos dilemas socioambientais do Semiárido brasileiro. Introduzida na região a partir da década de 1940 com a promessa de ser a solução para a escassez de recursos em tempos de estiagem, a espécie prosperou. Contudo, o seu sucesso adaptativo acabou por se traduzir em uma ameaça ecológica, transformando-a em uma espécie exótica invasora. Analisar a algaroba requer equilibrar sua inegável importância econômica e social com os impactos negativos que ela impõe à biodiversidade e aos recursos hídricos da Caatinga.

Um exemplar de algaroba.[Santos, 2018]

O Lado da Solução: Sustentação em Tempos de Seca

O primeiro lado da algaroba é o de uma árvore de múltiplo uso e uma âncora de subsistência. A sua resistência a longos períodos de seca e a capacidade de se desenvolver em solos pobres e até salinizados são incomparáveis, o que a torna um recurso vital onde a vegetação nativa sucumbe.

O principal benefício reside na forragem. As vagens da algaroba são ricas em proteínas e energia, fornecendo um alimento essencial para o gado bovino, caprino e ovino durante a época mais crítica da estiagem. Isso minimiza a perda de rebanhos e sustenta a economia rural. Além disso, a algaroba oferece outros recursos valiosos: sua madeira é utilizada para lenha e carvão de boa qualidade; ela funciona como uma excelente cerca-viva permanente e é empregada na apicultura, graças à sua floração abundante. Para os solos, ela atua na fixação de nitrogênio, uma característica das leguminosas, auxiliando na recuperação de áreas degradadas. Por essas razões, para muitas comunidades do Semiárido, a algaroba não é uma vilã, mas um pilar que garante a produção e a permanência do homem no campo.

As flores da algaroba. www.biodiversity4all.org  


O Lado do Problema: A Ameaça da Invasão Biológica

A segunda face da algaroba é a de uma invasora biológica agressiva que ameaça o equilíbrio ecológico da Caatinga. O mesmo vigor que a torna útil é o que a torna perigosa.

Seu mecanismo de dispersão, facilitado pelo consumo das vagens pelos animais (zoocoria), permite que ela se alastre rapidamente, colonizando grandes áreas. O principal impacto ecológico é a perda de biodiversidade. A algaroba forma densos agrupamentos que sombreiam e competem agressivamente com as espécies nativas da Caatinga (como o juazeiro, a catingueira e a braúna) por luz e nutrientes. Estudos mostram que áreas invadidas apresentam uma drástica redução na riqueza e diversidade da flora autóctone.

A maior controvérsia, no entanto, é o seu impacto nos recursos hídricos. A algaroba possui um alto consumo de água. Ao se proliferar ao longo dos leitos de rios, riachos e áreas de baixios (onde a água subterrânea é mais acessível), ela atua como uma "bomba d’água", alterando o regime hídrico local e agravando a escassez de água em regiões já naturalmente secas. Essa alteração pode secar pequenos reservatórios e reduzir a disponibilidade de água para outras plantas e para as comunidades humanas.

Pranchas de detalhes da edição de 1880–1883 da Flora de Filipinas, de F. M. Blanco. Blanco já hipotetizava que a Prosopis vidaliana, recém-descrita, era uma identidade da bayahonda blanca. - en.wikipedia.org - Neltuma juliflora 


O Desafio do Manejo Sustentável

A complexidade da algaroba reside no fato de que não se pode simplesmente condená-la ou erradicá-la sem gerar um vazio socioeconômico. A solução não é a eliminação total, mas o manejo sustentável e o controle da invasão.

Isso envolve estratégias como:

  1. Controle da Dispersão: Coletar e processar as vagens antes que sejam dispersas pelos animais e evitar o pastejo direto em áreas recém-invadidas.

  2. Manejo em Áreas Sensíveis: Erradicação em áreas de preservação permanente (APPs), como nascentes e margens de rios, onde o impacto hídrico é mais severo.

  3. Uso Racional: Fomentar o cultivo da algaroba em áreas delimitadas (silvicultura), controlando sua densidade, para garantir o recurso forrageiro e madeireiro sem permitir a invasão descontrolada da Caatinga nativa.

A dispersão das vagens de algaroba. - Perfil “Carioca do Cariri - 021/083” - Facebook - www.facebook.com  


Conclusão

A história da algaroba é uma lição sobre as consequências imprevistas da introdução de espécies exóticas em novos ecossistemas. O "projeto" de trazer a algaroba para o Semiárido gerou um recurso essencial para a vida em uma região hostil, cumprindo sua missão social e econômica. No entanto, sem um manejo adequado, a inação em controlar seu alastramento permitiu que ela se transformasse em um agente de degradação ambiental. O desafio futuro para o Semiárido é reconhecer e integrar os dois lados da algaroba: valorizar seu papel de sustento, enquanto se aplicam medidas rigorosas para proteger a Caatinga de sua natureza invasora, buscando um equilíbrio que concilie desenvolvimento social e conservação ecológica.


Extras


Existem outras árvores nativas do semiárido, tóxicas para humanos, mas que podem alimentar caprinos e ovinos - em certa taxas em peso na alimentação fornecida - e podem ser usada em cercas e para a produção de carvão, como a faveleira (Cnidoscolus phyllacanthus). 


Pés de faveleiras. - www.gov.br - fundaj  


Outra é a umburana, também chamada de umburana ou amburana-de-cheiro, que é utilizada como alimento proteico para caprinos e ovinos, principalmente durante o período de seca no semiárido. Suas sementes, que caem no chão nesse período, são ricas em proteínas, tornando-se uma fonte importante de alimento quando a pastagem nativa perde seu valor nutricional. Também há observações sobre sua toxicidade. 


Umburana-de-cheiro - Pinterest


Ainda tem-se a jurema preta ou negra, que é uma árvore de pequeno porte que chega a crescer até 7m de altura, cujas folhas são compostas por pequenos folíolos, com qualidade forrageira na alimentação de caprinos e bovinos (pode ser consumida em até 25% em peso da ração de caprinos). As flores são alvas, dispostas em inflorescências do tipo espiga e apresentam potencial apícola. Sua madeira serve para estacas, lenha e carvão de elevado poder calorífico. Extratos da casca da jurema-preta, que são ricos em taninos, demonstraram atividade fungicida, bactericida e antimicrobiana, sendo usados no tratamento de ferimentos de caprinos e ovinos. Os taninos da jurema-preta também têm potencial para uso no curtimento de peles e na produção de adesivos. - www.embrapa.br 



Jurema preta. - Embrapa 

Listam-se as espécies nativas do Semiárido: Jurema Preta (Mimosa hostilis Benth), Malva Branca (Malva sylvestris), Catingueira (Caesalpinia pyramidalis Tul.), Juazeiro (Zizyphus joazeiro Mart.), Velame (Croton heliotropiifolius Kunt.), Capim milhã (Digitaria sanguinalis) e Marmeleiro (Croton sonderianus Mull. Arg.).[Silva, 2020]  


Referências e leituras extras

Burnett, Annahid (2017) A “saga” político-ecológica da algaroba no semiárido brasileiro. RΣS [2017] V,19, n.38. ttps://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/res/article/view/5031/html  


Chagas, Kyvia Pontes Teixeira das et al (2017) JUREMA-PRETA: UMA ESPÉCIE, MUITAS UTILIZAÇÕES. II CONIDIS  - 2o Congresso Internacional de Diversidade do Semiárido. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. https://editorarealize.com.br/editora/anais/conidis/2017/TRABALHO_EV074_MD4_SA2_ID162_02102017224700.pdf 

 

DRUMOND, M.A.; PIRES, I.E.; BRITO, J.O. Algarobeira: uma alternativa para preservar espécies nativas do nordeste semi-árido. Silvicutura, v. 10, n. 37, p. 51-53, 1984.


Gouvêa, Hilton (2023) Solução que virou problema. A União. 09/10/2023.

https://auniao.pb.gov.br/noticias/caderno_diversidade/solucao-que-virou-problema 


Mello, Gustavo W.S. et al (2010) Plantas tóxicas para ruminantes e eqüídeos no Norte Piauiense. Pesq. Vet. Bras. 30 (1). Jan 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-736X2010000100001   

https://www.scielo.br/j/pvb/a/gXF3MVWJgbTfzHjH9D3nL6k/?format=html&lang=pt 


Pegado, Cláudia Maria Alves (2006) Efeitos da invasão biológica de algaroba: Prosopis juliflora (Sw.) DC. sobre a composição e a estrutura do estrato arbustivo-arbóreo da caatinga no Município de Monteiro, PB, Brasil. Acta Bot. Bras. 20 (4) • Dez 2006 • https://doi.org/10.1590/S0102-33062006000400013 

https://www.scielo.br/j/abb/a/xr5hgCSVTfjYbmbX5sMXHRS/?format=html&lang=pt 


RIBASKI, J.; DRUMOND, M.A.; OLIVEIRA, V.R.; NASCIMENTO, C.E.S. Algaroba (Prosopis juliflora): árvore de uso múltiplo para a região semiárida brasileira. Comunicado Técnico, EMBRAPA, Colombo, 8p, 2009.


Santos, Edjane da Silva; Barbosa, Jaiane Ferreira; Cardoso, Jaqueline da Silva; Nascimento, Maria Adriele Barbosa; Silva, Mikaelly Maria da; Medrado, Rita. (2018) A algaroba e suas múltiplas utilizações no Nordeste Brasileiro. WIX - Divulgação Científica. Washington. 26 de nov. de 2018. Atualizado: 28 de nov. de 2018. https://divulgcient.wixsite.com/website/post/a-algaroba-e-suas-m%C3%BAltiplas-utiliza%C3%A7%C3%B5es-no-nordeste-brasileiro 


Silva, J. C. de S., Abdalla, A. L. ., Oliveira, A. R. N. de, Santos, N. S., Silva, L. K. M. da, & Lima, E. da C. P. (2020). Consumo voluntário por caprinos no Bioma Caatinga no Brasil. Diversitas Journal, 5(4), 3211–3225. https://doi.org/10.17648/diversitas-journal-v5i4-1375 


pt.wikipedia.org - Cnidoscolus quercifolius  


en.wikipedia.org - Neltuma juliflora 


en.wikipedia.org - Neltuma juliflora - As an invasive species 


 

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