segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Biocombustíveis e Quimurgia: Uma Visão Sustentável do Futuro - 2

 Francisco Quiumento e Gemini da Google


Os biocombustíveis do futuro





Querosene Verde (SAF): Descarbonizando a Aviação

O querosene verde, ou Combustível Sustentável de Aviação (SAF, Sustainable Aviation Fuel), é uma alternativa revolucionária ao querosene de aviação convencional, que é de origem fóssil. Diferente do combustível tradicional, o SAF é produzido a partir de fontes renováveis, o que o torna crucial para a redução das emissões de gases de efeito estufa da aviação – um dos setores mais difíceis de descarbonizar.

O que é e Como é Produzido?

O SAF é um biocombustível que possui composição química idêntica ao querosene fóssil, o que significa que pode ser utilizado nas aeronaves e infraestruturas aeroportuárias existentes sem a necessidade de modificações. A principal diferença reside no seu ciclo de carbono: enquanto o querosene fóssil libera carbono que estava armazenado há milhões de anos, o SAF recicla o carbono que foi absorvido pelas plantas (biomassa) durante seu crescimento, resultando em um balanço de emissões significativamente menor (com reduções que podem variar entre 70% e 90%).

Existem diversas rotas de produção para o querosene verde:

  • Hidroprocessamento de Óleos Vegetais e Gorduras Animais (HEFA): Esta é uma das rotas mais maduras e utilizadas atualmente. Óleos de cozinha usados, óleos vegetais (como palma, soja, girassol, macaúba) e gorduras animais são hidrogenados e isomerizados para produzir hidrocarbonetos com as características do querosene de aviação.

  • Álcool para Jato (ATJ - Alcohol-to-Jet): Como o nome sugere, este processo converte álcoois (como etanol e butanol, provenientes de biomassa, incluindo cana-de-açúcar) em hidrocarbonetos que podem ser usados como SAF.

  • Fischer-Tropsch (Ft): Esta rota envolve a gaseificação de biomassa (resíduos agrícolas, florestais, etc.) ou resíduos sólidos urbanos para produzir um gás de síntese (syngas), que é então convertido em hidrocarbonetos líquidos (querosene) através da síntese Fischer-Tropsch. Mais recentemente, o e-kerosene (ou Power-to-Liquid - PtL) utiliza hidrogênio verde (produzido por eletrólise da água com energia renovável) e CO₂ capturado da atmosfera para a síntese Fischer-Tropsch, criando um ciclo de carbono quase neutro.

  • Pirólise e Craqueamento de Biomassa: Tecnologias que convertem biomassa (como caroços de açaí) em óleos que podem ser refinados em querosene.

Desafios e Perspectivas

Embora o querosene verde seja uma solução promissora, ainda enfrenta desafios, principalmente relacionados ao custo de produção, que ainda é superior ao do querosene fóssil, e à escala de produção para atender à demanda global da aviação. No entanto, regulamentações crescentes, como a que prevê cotas de SAF em voos internacionais a partir de 2027, e o aumento de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, estão impulsionando a sua adoção.

O Brasil, com sua vasta capacidade de produção de biomassa e experiência em biocombustíveis, tem um grande potencial para se tornar um líder na produção de SAF, especialmente a partir de culturas como a cana-de-açúcar e a macaúba, e no aproveitamento de áreas degradadas.

Leveduras Mais Eficientes

O desenvolvimento de cepas de leveduras super-resistentes, capazes de tolerar altíssimas concentrações de álcool, como as usadas na fabricação de certas cervejas “extremas” (com teores de álcool até 27% de álcool), aponta para um avanço revolucionário na indústria de biocombustíveis.

Tradicionalmente, a fermentação de etanol para combustível atinge um gargalo: as leveduras, embora produzam etanol, são intoxicadas e morrem quando a concentração desse álcool no meio atinge cerca de 13% a 15%. Para cervejas “extremas” como, por exemplo, a Samuel Adams, foram necessários 13 anos de seleção e aprimoramento genético para desenvolver linhagens que suportam teores de 25% a 27% de etanol, um feito que transformou o cenário das bebidas.

O grande avanço para o setor de biocombustíveis é que essa mesma tecnologia pode ser aplicada na produção de etanol a partir de caldo de cana ou xarope de milho. Com leveduras mais robustas e tolerantes ao etanol, seria possível iniciar o processo de fermentação com concentrações mais elevadas de açúcares (carboidratos) e permitir que a fermentação prosseguisse até um ponto de maior concentração de etanol no produto final.

As vantagens são claras e significativas:

  • Menos Água: Um meio de cultura mais concentrado significa que precisamos de menos água no início do processo.

  • Economia de Energia na Destilação: A destilação do etanol é um processo que demanda muita energia, pois é preciso aquecer a mistura de água e etanol para separar o álcool, que tem um ponto de ebulição mais baixo (aproximadamente 78°C). A água possui um alto calor específico, o que significa que aquecer grandes volumes dela consome uma energia considerável. Se a concentração de etanol no "caldo fermentado" for maior, há proporcionalmente menos água para aquecer, resultando em uma redução drástica no consumo de energia e, consequentemente, nos custos da destilação. Por exemplo, passar de uma mistura com 15% de etanol para uma com 20% ou 25% de etanol representa uma economia substancial de energia ao eliminar a necessidade de aquecer aquela "água extra".

Ao contrário da indústria cervejeira, onde o sabor e as características sensoriais das leveduras são cruciais, para a produção de biocombustíveis o foco principal é o rendimento em etanol bruto. Isso simplifica o desenvolvimento e a seleção de cepas, direcionando todos os esforços para a maximização da eficiência e da tolerância ao álcool.

Em resumo, o avanço na genética e seleção de leveduras, impulsionado até mesmo por cervejas "extremas", tem o potencial de revolucionar a produção de etanol, tornando-a mais econômica, energeticamente eficiente e ambientalmente amigável, ao reduzir a demanda por água e calor.


Etanol de Algas
Uma geração intermediária de biocombustíveis

Uma inovação revolucionária, liderada pelo Prof. Pengcheng “Patrick” Fu da Universidade de Hawaii, está transformando a produção deste biocombustível essencial. A tecnologia utiliza cianobactérias geneticamente modificadas – popularmente conhecidas como algas verde-azuladas – para produzir etanol em escala, de forma eficiente, sustentável e sem competir com a produção de alimentos e rações.

Uma Nova Geração de Biocombustíveis: O etanol de algas representa uma geração intermediária de biocombustíveis com vantagens significativas. Seu cultivo em foto-bio-reatores de baixo custo não apenas utiliza a abundante luz solar, mas também consome CO₂, contribuindo para a redução dos gases de efeito estufa. O Prof. Fu desenvolveu cepas de cianobactérias que excretam etanol como um resíduo metabólico, otimizando a produção e facilitando a separação do produto através de membranas no sistema de foto-bio-reator.

Solução Inteligente e Paralela: A tecnologia se integra de forma inteligente com a indústria sucroalcooleira e de processamento de milho. As algas podem se beneficiar de pequenas quantidades de açúcar, como caldo de cana ou melaço de milho, especialmente durante a noite, oferecendo uma oportunidade de diversificação e otimização para esses setores.

Brasil: Potencial para Liderança Global: Para o Brasil e outros países tropicais, com alta incidência solar, o etanol de algas abre uma segunda e promissora via de produção. Com uma produtividade por hectare estimada em 10 a 20 vezes maior que a da cana-de-açúcar, o cultivo verticalizado em foto-bio-reatores permite produzir mais etanol utilizando menos espaço. A região Nordeste do Brasil, com sua vasta luz solar e proximidade a portos, surge como um local estratégico para a produção em larga escala e exportação.

Avanços e Investimentos: A tecnologia está saindo dos laboratórios para a realidade industrial. A empresa La Wahie Biotech está ajustando sua tecnologia para a construção de uma planta experimental de alto rendimento. O Prof. Fu recebeu um convite do governo chinês para estruturar um projeto piloto em Beijing, e a empresa mantém ações coordenadas entre sua matriz no Hawaii e a Fundação La Wahie International.

Presença no Brasil: Uma filial brasileira da La Wahie Biotech Inc. está em fase de implantação em Aracaju, Sergipe. O professor alemão Hans-Jürgen Franke, especialista em bioenergia, está coordenando o desenvolvimento de um sistema de foto-bio-reator de baixo custo e articulando projetos pilotos no país.

Eficiência e Sustentabilidade: Segundo o Prof. Fu, a produção de etanol a partir de culturas tradicionais é lenta e consome muitos recursos. As cianobactérias, ao contrário, convertem luz solar e CO₂ em oxigênio e etanol com ganhos de eficiência notáveis, sequestrando um gás de efeito estufa e evitando o desmatamento necessário para expansão agrícola.

Tecnologia Inovadora: A técnica do Prof. Fu se destaca pela inserção genética em cianobactérias, resultando na produção quase exclusiva de etanol, facilmente separado no foto-bio-reator. Essa abordagem permite uma produção rápida e em grande volume com custos potencialmente inferiores às técnicas convencionais.

Um Futuro Energético Mais Verde: A produção de etanol de algas representa um avanço significativo na busca por biocombustíveis mais eficientes e sustentáveis. Com o potencial de transformar o Brasil em um protagonista global neste mercado, essa tecnologia inovadora não apenas impulsiona a economia, mas também contribui para um planeta mais limpo e para o combate ao aquecimento global.


Recomendações de leitura


Tratamos dos combustíveis de segunda, terceira e quarta gerações no artigo:

https://sites.google.com/site/scientiaestpotentiaplus/biocombustiveis 


A concorrência para a produção do etanol cana versus milho


https://sites.google.com/site/scientiaestpotentiaplus/biocombustiveis/biocombustiveis-cana-versus-milho

Mais detalhes técnicos sobre os plásticos verdes


https://sites.google.com/site/scientiaestpotentiaplus/biocombustiveis/biodiesel-e-plasticos-verdes 


Detalhes da produção de biodiesel


https://sites.google.com/site/scientiaestpotentiaplus/biocombustiveis/producao-de-biodiesel 

 

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