sábado, 31 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica IV

Pesca

Peixes e outros animais marinhos, as vítimas maiores de nossa presença na Terra


Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento


Durante a Segunda Guerra Mundial, os oceanos testemunharam uma situação inusitada. Com a presença massiva de submarinos e navios de guerra de nações beligerantes, o risco de torpedos e a mobilização de recursos para o conflito desviaram os grandes barcos pesqueiros de suas rotas habituais. Essa interrupção forçada na pesca industrial criou um cenário de alívio sem precedentes para os ecossistemas marinhos. O resultado foi uma explosão populacional de peixes de diversas espécies, em consonância com os princípios de Darwin e a resiliência intrínseca da dinâmica natural da vida. Essa breve 'pausa' global evidenciou a extraordinária capacidade de recuperação dos estoques pesqueiros quando a pressão humana é temporariamente removida.

Ao contrário de espécies que cultivamos intensivamente, como vacas e trigo – onde o ciclo de produção é controlado e visível –, ou das que convivem pacificamente conosco (pardais, pombos) e até das que gostamos pela companhia (gatos, cães), a produção de peixes para alimento em cativeiro, a aquicultura, é ainda pouco significativa se comparada ao volume pescado. Embora o setor venha crescendo, a vasta maioria do peixe e dos frutos do mar que consumimos é extraída diretamente dos ecossistemas naturais. Peixes são, de certa maneira, retirados em uma escala análoga à da mineração, onde frotas pesqueiras operam em águas doce e salgada, utilizando técnicas que varrem vastas áreas e não priorizam a regeneração ou o equilíbrio ambiental.[Nota 1]

É verdade que hoje cultivamos diversas espécies marinhas e de água doce, como salmões, tilápias e ostras, por meio da aquicultura. Em alguns casos, as quantidades produzidas já superam as populações naturais pré-intervenção humana. No entanto, é crucial entender que, apesar do crescimento da aquicultura, o volume de pescado e outras formas de vida aquática removidas para qualquer fim dos ambientes naturais ainda é imensamente superior ao que cultivamos. Além disso, paradoxalmente, parte significativa da aquicultura depende de peixes selvagens – transformados em farinha de peixe – para alimentar as espécies em cativeiro, criando um ciclo que ainda exerce pressão sobre os estoques naturais e agrava o problema da sobrepesca.


Assim, em contraste com a explosão populacional verificada durante a Segunda Guerra Mundial, o cenário atual é alarmante: é provável que (e já parece acontecer) determinadas espécies sofram colapsos populacionais dramáticos. A sobrepesca exaure os estoques a ponto de a recuperação se tornar inviável, mesmo para espécies com alta resiliência genética. Espécies como o bacalhau do Atlântico Norte ou certas populações de atum, por exemplo, já sentiram o peso dessa pressão. Além disso, a remoção massiva de espécies-chave impacta toda a cadeia alimentar: predadores ficam sem alimento, e presas de espécies não alvo da pesca podem proliferar descontroladamente, causando desequilíbrios. A pesca seletiva, especialmente em águas doces, pode ainda levar à proliferação de espécies nocivas ou de vetores de doenças, alterando a composição biológica dos ecossistemas de forma imprevisível e muitas vezes prejudicial.[Nota 2]


Tunídeos, as várias espécies de atuns, um dos grupos de peixes mais ameaçados pela pesca.


A questão dos efluentes urbanos e industriais nas massas de água (rios, lagos e áreas costeiras) é igualmente problemática para a atividade pesqueira, embora este ponto não seja o foco principal desta discussão.[Nota 3]



É imperativo destacar que, mesmo a chamada 'pesca esportiva', em sua escala atual, tornou-se uma ameaça considerável. Longe de ser apenas um lazer inofensivo, a busca por grandes exemplares para 'pesca-troféu' coloca em risco a sobrevivência de espécies de grande porte, essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas. Com a intensificação dessa prática e a redução contínua das populações selvagens, o risco é que imagens tão emblemáticas quanto as relatadas em 'O Velho e o Mar', de Ernest Hemingway (levado às telas com Spencer Tracy em 'The Old Man and the Sea', 1958), ou mesmo o imponente tubarão branco de 'Tubarão' (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, passem a existir apenas na literatura, no cinema e na memória coletiva, distantes da realidade de oceanos cada vez mais esvaziados.


Graças aos avanços na agricultura – com genética, fertilizantes e defensivos –, realizamos um verdadeiro milagre da multiplicação dos pães. Conseguimos otimizar a produção terrestre a níveis antes impensáveis, controlando ciclos de cultivo, ambientes e reprodução. Contudo, garanto que o correspondente para os peixes, em ambiente natural, não conseguiremos realizar. A complexidade dos ecossistemas aquáticos, a dificuldade de monitorar e controlar populações selvagens em vastos oceanos e a ausência de uma 'cerca' ou 'campo' para o manejo impedem a replicação do mesmo modelo de intervenção e otimização que aplicamos à terra firme.

Assim, a escala atual de nossa atividade extrativa de espécies aquáticas – impulsionada pelo crescimento populacional e pelo insaciável apetite humano por peixes e outros frutos do mar – aponta para um desfecho sombrio: o colapso da própria pesca como a conhecemos. Essa exploração desenfreada ameaça não apenas a continuidade de uma atividade econômica vital, mas também a integridade de ecossistemas inteiros. Em uma triste e irônica metáfora evolutiva, o fim da abundância marinha nos remete a um paradoxo: a civilização humana, que deu seus primeiros passos e se desenvolveu a partir da vida que emergiu dos oceanos, agora corre o risco de esgotar justamente essa fonte primordial. A inação pode significar o fim de uma era, onde a abundância marinha passará de recurso a lembrança.[Nota 4]


Notas

Nota 1: Métodos de Pesca Devastadores

A busca por grandes volumes de pescado levou ao desenvolvimento de métodos extremamente destrutivos. A pesca de arrasto, por exemplo, envolve redes gigantes que varrem o fundo do oceano, destruindo habitats vitais como recifes de coral e leitos de algas marinhas, e capturando uma vasta quantidade de "bycatch" (espécies não-alvo, que são descartadas mortas). Outras práticas incluem a pesca com dinamite ou cianeto, que matam indiscriminadamente a vida marinha e danificam permanentemente os ecossistemas, acelerando o esgotamento dos estoques.

Nota 2: Áreas de Preservação Marinha (APMs) e Recuperação 

A experiência da Segunda Guerra Mundial, com a recuperação dos estoques pesqueiros, ressalta a capacidade de regeneração dos oceanos quando a pressão humana diminui. Esse princípio é a base das Áreas de Preservação Marinha (APMs), espaços designados para proteger a vida e os habitats marinhos. Estudos mostram que APMs eficazes podem levar ao aumento da biomassa de peixes, do tamanho dos indivíduos e da diversidade de espécies, com benefícios que se espalham para fora de seus limites, auxiliando na recuperação de áreas adjacentes.

Nota 3: O Impacto dos Efluentes 

Embora este texto se concentre na pesca como atividade extrativa, é crucial reconhecer que a poluição por efluentes urbanos e industriais representa uma ameaça paralela e igualmente grave para os ecossistemas aquáticos. Despejos de esgoto sem tratamento, resíduos químicos e metais pesados contaminam rios, lagos e áreas costeiras, afetando diretamente a saúde dos peixes e outros animais marinhos, e comprometendo a segurança alimentar de quem deles se alimenta. Os fosfatos relacionados com nossos fertilizantes agrícolas e produtos de limpeza, como os detergentes, contribuem com a eutrofização (excessiva reprodução de vegetais aquáticos). Estes são problemas complexos que merecem análises aprofundadas, mas que escapam ao escopo imediato desta discussão sobre a pesca.

Nota Z: A Importância da Proteína de Peixe na Dieta Global 

O peixe e os frutos do mar são uma fonte crucial de proteína para bilhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento e comunidades costeiras. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estima que centenas de milhões de pessoas dependem diretamente da pesca e aquicultura para subsistência e segurança alimentar. Essa dependência sublinha a urgência de gerir os recursos pesqueiros de forma sustentável para evitar uma crise alimentar e social.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica III

 A escala das nossas cidades


Ou como as florestas se tornarão obrigatoriamente parques.



Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento



Roma, no auge do Império Romano, esteve entre as maiores cidades da Terra. Babilônia é citada à exaustão, inclusive na Bíblia.


Para economizar outra progressão, digamos imediatamente que encontrariam hoje rivais em bairros de São Paulo, e não na própria São Paulo.



A Grande São Paulo, imagem do Landsat - Wikipedia


Mas nossa Roma não é mais São Paulo, ou mesmo a Grande São Paulo. Nossa Babilônia seria a 'região metropolitana estendida' São Paulo-Campinas – um termo técnico que, talvez, diminua o pavor de uma megalópole que mancha de cinza e avermelhados, mesmo vista do espaço, toda uma significativa fração do sudeste brasileiro.


Mas o problema não é terrível para os brasileiros. Os EUA têm sua "BosWash", de Boston a Washington, com seus 50 milhões de habitantes, a China tem a sua na região do delta do rio Pérola (com a formal sigla PRD), o Japão em Tóquio e até os europeus tem a sua, com o interessante nome de Banana Azul (e notemos que neste caso a "cidade" rompe países).[Nota 1]


Dokov, Hristo & Stamenkov, Ivaylo. (2016). Framing a new spatial development model of Europe: The Greenish Zone. www.researchgate.net 



Desde que o geógrafo Jean Gottmann desenvolveu seus estudos sobre tais aglomerações, em momento algum de nossa história recente o processo de transformação de cidades em grandes cidades e posteriormente em monstruosidades de 50 milhões de habitantes reduziu seu ritmo. Como disse Al Gore, e já o citei nesta série, "temos problemas".


Assim como cidades milenares e berços de nosso desenvolvimento no Ocidente – Londres, Paris ou Roma – necessitavam de parques para se refrescar, oxigenar e propiciar lazer, as megalópoles, fusões de grandes cidades, precisam de espaços verdes em proporção semelhante à mais moderna Nova York.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

Façamo-nos de desatentos agora e esqueçamos que qualquer grande cidade precisa de zonas circundantes para a horticultura.


Façamo-nos de mais desatentos e também esqueçamos que qualquer cidade precise de áreas para a captação de água, atividades de distribuição e logística, transportes e indústria.


Façamo-nos de completos irresponsáveis e não percebamos que uma cidade que cresce empurra para "fora" de si as áreas de produção agropecuária de suas necessidades, e esta área necessária e crescente tem de ocupar outra, que certamente, no longo prazo, seja muito mais necessária que alimentar ou ser cômoda e útil para a área que aqui tratamos como "cinza".


Ainda assim tem-se de manter uma proporção de 'verde' para o 'cinza', da qual não se pode fugir.


Mas ao chegar a determinada escala, as cidades não são mais apenas uma colcha cinza com manchas verdes, mas impõem entre estas manchas verdes, em especial para as espécies animais, uma determinada distribuição e escala das manchas verdes que não resulte em um isolamento genético que mais cedo ou mais tarde eliminará as faunas de cada mancha.


Citando a analogia que fiz da humanidade como formigas vorazes, nossas fronteiras de cidades e respectivas áreas de produção de alimentos e produção industrial com áreas verdes e outros ambientes "selvagens", são as trincheiras onde travamos nossas batalhas com as outras espécies que não nos interessam imediatamente.


Mas nem preciso me preocupar com tal problema (dentre tantos), pois os ecologistas já o fazem em sua luta pela manutenção de ambientes e espécies, e com muito mais qualidade e argumentos do que eu faria. Devo me concentrar noutro ponto, muito mais adequado ao foco que estou dando nesta série de textos.


Chegará a um momento, na taxa de crescimento das cidades que hoje apresentamos, que mesmo com uma distribuição harmoniosa de verdes e cinzas, mesmo dentro de confiável biologia, não teremos mais uma mancha no meio de um sudeste, como é o caso de São Paulo-Campinas (como esta megalópole pudesse ser limitada a só este eixo), e sim, os verdes primordiais sobreviventes é que pintarão uma imensa colcha de combinação de gosto discutível.


Mas nosso problema neste ponto é que não é uma questão de gosto sobre cores e suas combinações, e sim, de aritmética simples.


Certa vez ouvi em um filme a brilhante frase: -Terra é o melhor investimento porque é uma mercadoria que não se produz mais. (Consta que a origem da frase deve-se a Mark Twain.)


Sendo o saldo de terras utilizáveis finito, ao se debitar o mínimo que seja, este saldo diminui.


Tão simples e direto quanto isto.


Só as soluções para os problemas das megalópoles (independentemente de seu crescimento, "pois todo sistema quando não submetido à ação tende ao caos", lembrando a citação de um professor, citando por sua vez um antigo chefe seu) demandam constante e até crescente geração de energia, de onde voltaríamos ao ponto tratado no texto anterior.


Assim, inexoravelmente, mantendo-se o ritmo de crescimento das cidades/população humana, chegaremos a um momento - e este momento, segundo estimativas da WWF [nota 2], já passou, e já estamos 70% acima do que o planeta pode fornecer. (Mesmo que esses números estejam errados, a tendência é inegável e esse patamar será atingido.) As cidades, então, poderão crescer, como amebas que parecem do espaço, mas não terão o que comer.


E como camundongos e coelhos, quando colocados em espaços limitados, comem suas crias...


Talvez...



Notas

Nota 1: A Banana Azul é uma região da Europa com uma concentração de cidades importantes e interligadas, formando um corredor econômico e de desenvolvimento. Ela se estende desde o norte da Inglaterra até o norte da Itália, passando por diversas cidades como Londres, Amsterdão, Bruxelas, Frankfurt, Zurique e Milão. - wikipedia.org 


Nota 2

Dia da Sobrecarga da Terra: Um Sinal de Alerta Global

O Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) é um marco preocupante que sinaliza o momento em que a humanidade consome todos os recursos que a Terra é capaz de renovar em um ano. A partir dessa data, passamos a viver em "dívida ecológica", sobreutilizando a biosfera e esgotando nossos ativos naturais. Historicamente, essa data tem chegado cada vez mais cedo: em 1971, era em 25 de dezembro; em 2000, em 17 de setembro; e em 2023, caiu em 2 de agosto. A marca de 2 de agosto também foi atingida em 2018 e 2022, indicando uma tendência preocupante.

Atualmente, para sustentar nosso ritmo de consumo, a humanidade necessitaria de 1,7 planetas, ou seja, usamos 70% mais recursos do que a natureza pode oferecer anualmente. Essa sobrecarga é global, mas o impacto varia conforme o padrão de consumo de cada país. Se todos vivessem como a população brasileira, o Dia da Sobrecarga da Terra de 2024 seria em 4 de agosto. Contudo, se o mundo seguisse o padrão alemão, seriam necessárias 3 Terras; e se o padrão de consumo fosse o dos Estados Unidos, precisaríamos de 5 planetas para suprir nossas demandas.

As consequências dessa sobrecarga ecológica são alarmantes e já visíveis em diversas partes do mundo: desmatamento, erosão dos solos, perda acelerada de biodiversidade, aumento do dióxido de carbono na atmosfera, eventos meteorológicos extremos mais frequentes e a diminuição da produção alimentar. Como alerta Lewis Akenji, da Global Footprint Network, a sobrecarga da Terra terá um fim. A questão fundamental é como esse fim ocorrerá: por meio de um planejamento consciente e ações mitigadoras, ou pela imposição de um desastre ambiental causado pela nossa inação.

BRION, Jules. Earth Overshoot Day: As of August 2, humanity is incurring an 'ecological debt'. Le Monde, 2 ago. 2023. Disponível em: https://www.lemonde.fr/en/environment/article/2023/08/02/earth-overshoot-day-as-of-august-2-humanity-enters-ecological-debt_6076116_114.html. Acesso em 26 maio 2025.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica II

 A escala da produção de energia

Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento


Ou como vamos (ou não) chegar "ao rubro".

Observemos que ao longo da história da civilização, e tomemos apenas o, digamos, período cristão, passamos do século I ao século XVII usando apenas: nossos corpos, os corpos de animais, queima de principalmente lenha, e raras rodas d'água.

Com o advento da era industrial, e obviamente do seu motor, com o perdão do trocadilho infeliz, a máquina a vapor, passamos os séculos XVIII e XIX usando crescentemente máquinas a vapor nas mais variadas escalas. Aqui, podemos retornar brevemente a questão da mineração, pois da crescente necessidade de combustível para tais máquinas, nasceu a mineração de carvão, mas nem nos preocupemos com tal ponto, pois como veremos, nosso problema é muito maior do que o consumo de qualquer combustível fóssil e seus efeitos no ambiente.




Com a entrada na, chamemos, era do petróleo, adicionamos um outro combustível fóssil a, chamemos assim, nossa planilha somatória de problemas. Notemos que o petróleo em si não foi o suficiente, e adicionamos a este o gás natural e já avançamos sobre as areias betuminosas, como se evidencia na relação de produção de óleo entre o Canadá e os EUA, e continuamos avançando sobre o xisto e devemos até atacar o metano do fundo dos mares.

Percebamos que a dificuldade de extração e produção de combustíveis não é há muito o nosso problema, e sim, sua disponibilidade limitada.

Encerrada a análise dos combustíveis fósseis, percebamos que, embora sejam usados para a geração de energia elétrica, essa por si já caracteriza uma era de fonte/uso de energia em paralelo com a do petróleo, iniciando-se um pouco antes dela (com o advento da iluminação pública elétrica e do uso de motores elétricos). Também geramos energia por meio de turbinas que em nada se relacionam com os combustíveis fósseis, como as hidrelétricas e as usinas nucleares — sendo esta última, mesmo extremamente dispendiosa, utilizada massivamente (vide a França).

Não satisfeitos em avançar sobre a energia nuclear, mesmo com os riscos e contando com as vantagens de sua enorme capacidade, países, especialmente os ricos, já esgotaram (ou quase) há bastante tempo sua capacidade máxima de gerar energia hídrica. Conjuntamente a isso, avançamos agora sobre a eólica.[Nota 1] Somente nos EUA, fábricas de geradores de grande porte produzem três geradores por dia, permitindo a instalação de uma usina como as que vemos no Brasil (em torno de 75 a 100 geradores) a cada mês.

Ameaçamos avançar sobre a geologia de nosso planeta, com a geração geotérmica, como já o fazem por absoluta disponibilidade e conveniência Islândia e Nova Zelândia. A menção a estes dois países nos leva ao hidrogênio. A geração e o uso de hidrogênio como combustível já são pensados e implementados (em alguns casos, já estão em operação). Isso nos daria os oceanos como uma imensa reserva mineral de matéria-prima, em uma escala inimaginável até mesmo para os magnatas do petróleo da virada do século XIX para o XX, que em sua época – e ainda hoje – construíram os maiores conglomerados industriais da civilização.

Falando em mar, poupar-me-ei de citar as marés e ondas. Acredito que o básico (se é que não é ridículo afirmar isso) já foi apresentado para que se perceba que estamos em uma curva de crescimento exponencial de geração de energia, que cada vez mais fomenta o crescimento de outras atividades que já analisei.

Mas como disse e repito, este ainda não é o nosso maior problema. É crucial entender que, para além do conhecido aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa, há um problema fundamental e físico ligado à própria geração e consumo de energia. No capítulo X de seu livro 'O Universo Numa Casca de Noz', o físico Stephen Hawking apresenta uma questão simples, porém assustadora. Com o crescimento de nossa economia (e esta não relaciona-se diretamente e exatamente com nossa população, observemos), nossa geração de energia, que pela ineficiência que caracteriza todo processo de transformação de energia de algum tipo (como a hidráulica) em mecânica (qualquer máquina acionada por motor elétrico, por exemplo), ocorre uma dissipação de calor.[Nota 2] Este calor irá para o ambiente, e o aquecerá (e nada adianta construirmos refrigeradores para o ambiente, pois a sua ineficiência gerará mais calor ainda para o ambiente). Com a progressão que temos no crescimento da geração de energia (e lógico, de seu consumo), conforme os cálculos apresentados por Hawking, em cerca de 600 anos, pelos números históricos, nosso planeta chegará a temperatura de um metal ao rubro.

Observe-se que isto não tem relação alguma com o que seja o aquecimento global, que relaciona-se teoricamente apenas com a presença de gases de efeito estufa na atmosfera e a energia do Sol, que lembrando bem, nem citei como fonte imensa da qual não exploramos uma ínfima parcela.

Mas voltando à temperatura de um metal em brasa, lembremos que não necessitamos de uma temperatura de cauterização para eliminar a possibilidade de vida na Terra (aliás, Vênus já o faz pelo efeito estufa e Mercúrio o sofre pelo Sol). Necessitamos apenas da temperatura de uma sauna para a imensa parte das formas de vida do planeta.

Então, na atual taxa de crescimento de nossa demanda de energia (e esta mostra-se sinergizadora de mais demanda, e não um freio ao processo), chegaremos ao nível do insuportável em muito menos tempo que o que nos separa das grandes navegações europeias.

Somemos um atenuador, para eu não ser acusado de ser um catastrofista (quase histérico). Observemos que nos últimos anos, desenvolvemos um número cada vez maior de "destinos" mais eficientes para nossas fontes de energia, em especial, a elétrica. Lâmpadas que mais iluminam do que geram calor, máquinas com motores mais eficientes (esta progressão, na verdade, vem ocorrendo há mais de um século), processos industriais menos dependentes de calor, etc. Assim, o prazo para nossa temperatura de sauna se estenderia, mas não ilimitadamente, nem mesmo para números muito maiores que aqueles com que Hawking me causou o impacto que causou e motivou este texto, mas sim, o que calcularei agora.

Partiremos para nossos cálculos de nosso atual nível econômico geral, que nos coloca atualmente numa pegada ecológica que já ultrapassa 70% acima da capacidade do planeta, e o consumo de energia, em todas as suas formas, é um dos maiores componentes da pegada ecológica global.[Nota 3]

Agora, para além da sustentabilidade dos recursos, consideremos o impacto térmico direto de nossa geração de energia. Tomando como ponto de partida a projeção de Stephen Hawking, que nos alerta para a dissipação de calor, analisemos um cenário mais conservador. Consideremos que, ao invés de uma economia crescente em 1% ao ano, não tenhamos um crescimento da geração/consumo de energia nem maior nem igual a 1%, e sim, míseros 0,1%. Com base nos dados iniciais e na metodologia de Hawking, partindo da quantidade de calor que produzimos hoje, e notando que este número já está nos cálculos de Hawking, em 500 anos chegaremos a 64% a mais de geração de calor para o ambiente. Então uma nova era das navegações (distante igualmente no tempo) disporá de um número não assustador de calor perdido para o ambiente. Em mil anos, chegaremos a 170%, então talvez, numa nova Idade Média, não tenhamos invernos longos de origem vulcânica, mas sim, verões desconfortáveis. A uma distância no tempo de 2000 anos, talvez voltemos a usar saiotes romanos, pois a dissipação de calor já estará em mais de 600 %. A um intervalo de tempo como o da construção das pirâmides, já estaremos a quase 15 mil %, e talvez invejemos a vida do mais sofrido dos trabalhadores egípcios.

Dois pontos, antes de eu dar o "arremate":

  • Não precisarei apresentar números de distâncias no tempo como os da adoção da agricultura ou ainda da "eva mitocondrial" para mostrar que tal progressão é insana em seus resultados, e não tardará a chegar ao problema que Hawking aponta.

  • Observemos – e aqui, na verdade, fui 'desonesto' – que para uma progressão da geração de energia de qualquer valor, a dissipação de calor pela ineficiência ser menor que a própria progressão da geração, a eficiência tem de ser crescentemente maior. Isso gera problemas praticamente insolúveis no tempo, limitados não pela tecnologia, mas sim pelas leis da natureza, ou se quiserem, pela Física.

No artigo "O Coração Turbulento da Terra", Ulisses Capozolli, na SciAm Br de maio de 2011, apresenta o modelo, ou escala, de  Nicolai Kardashev, no qual as civilizações de grupo ou nível I, tal como a nossa, que ainda queima árvores abatidas até para esquentar seus alimentos, dispõe de uma oferta energética de aproximadamente 4x10^19 erg/seg (como 1 erg é 1 × 10−7 joule, este valor corresponderia a uns 4x10^12 watts). Numa taxa de crescimento de 3 a 4% ao ano, atingiríamos em 3200 anos o grupo ou nível II (aproximadamente o mundo ficcional de Star Trek), explorando toda a capacidade de geração de energia do Sol, numa escala de 4x10^33 erg/seg. Com mais alguns cálculos, poderíamos chegar ao tempo que levaremos para explorar toda a energia de todas as estrelas da galáxia, no grupo ou nível III, ou 4x10^44 ergs/s.

Números simples, contas fáceis, resultados claros.

Mas ao que me parece, não estamos no planeta para passar abrasador calor, e sim para perpetuarmos nossa espécie (aliás, na verdade, é só isso que fazemos, e às vezes, com os piores tropeços possíveis).

Assim sendo, e tal me parece cristalinamente óbvio, não podemos transformar nosso planeta não na cela da qual por enquanto não podemos sair, e da qual não sairemos por muito tempo, pois isto o planeta que habitamos já é.

Não podemos transformá-lo na fornalha que nos matará.


Notas

Nota 1: Desafios das Energias 'Verdes'

Embora fontes como a eólica e o hidrogênio (quando produzido de forma sustentável) sejam cruciais para a transição energética, elas não estão isentas de desafios. A fabricação de turbinas eólicas e painéis solares, por exemplo, ainda possui uma pegada de carbono e demanda por minerais. Além disso, a implantação de grandes parques eólicos ou usinas hidrelétricas pode ter impactos locais na paisagem, na fauna e na flora, exigindo um planejamento ambiental rigoroso.

Nota 2: A Segunda Lei da Termodinâmica e a Dissipação de Calor 

A dissipação de calor mencionada no texto é uma consequência inevitável da Segunda Lei da Termodinâmica (ou Lei da Entropia), que afirma que em qualquer processo de transformação de energia, parte da energia sempre será convertida em calor e se dissipará no ambiente, não podendo ser totalmente reaproveitada para trabalho. É por isso que nenhum processo energético é 100% eficiente, e a tendência natural é o aumento da desordem (entropia) no universo.

Nota 3: Detalhes da Pegada Ecológica 

A 'Pegada Ecológica' é uma metodologia de contabilidade de recursos que mede a demanda da humanidade por recursos naturais e serviços ecossistêmicos, comparando-a com a capacidade de regeneração do planeta (biocapacidade). Quando a demanda excede a biocapacidade, entramos em 'dívida ecológica'. O consumo de energia, repetimos, em todas as suas formas, como combustíveis fósseis e uso de energia hídrica, é um dos maiores componentes da pegada ecológica global.

Referências

Hawking, Stephen - O Universo numa Casca de Noz - Editora ARX - 9 ed. - São Paulo, SP - 2002 - ISBN: 85-7581-017-0 


ESCALA DE KARDASHEV. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2024. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_de_Kardashev&oldid=67446623>. Acesso em: 8 fev. 2024.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Humanidade Como Força Geológica I

 Preparando o terreno


Neste conjunto de textos, apresentaremos algumas observações sobre a escalada que temos tido, desde uma espécie sobre a Terra, insignificante frente ao todo, ainda que construtora de grandes obras de arte e arquitetura, uma ou outra pequena alteração no ambiente, até os dias de hoje, quando nos colocamos ao lado das maiores forças da natureza, e ao que parece, ainda iremos mais longe, embora tenhamos de mudar alguns de nossos péssimos hábitos.


Autoria original de Francisco Quiumento,
expansões e revisão por Gemini da Google e Francisco Quiumento


Algumas notas sobre cinema


Lembrando o filme Patton (no Brasil com o péssimo subtítulo "Rebelde ou Herói?", 1970, IMDB) sempre me vem à mente uma de suas falas, ao personagem principal ver, se não me engano já na Itália, um extenso comboio militar numa estrada: -Nenhuma atividade humana se compara à guerra.


Infelizmente, tenho de concordar com os autores do roteiro (Francis Ford Coppola e Edmund H. North), e talvez, se verídica a citação, com George S. Patton.




Uma coluna de tanques do 3o Exército, sob o comando de Patton, entrando em Bayreuth.



Para avançar sobre o que apresentarei, pegando ainda o tema da guerra como atividade humana, colocarei o dado adicional que na Segunda Guerra Mundial, a Operação Overlord, do desembarque das primeiras forças aliadas na França, em 1944, 155 mil homens foram utilizados na maior operação de desembarque anfíbio de todos os tempos, sem nem mesmo falarmos da enorme estrutura e recursos de retaguarda em navios, aviões e recursos logísticos diversos, como combustível, e tal planejamento e preparação, pelo menos demandou os dois anos anteriores, inclusive em armazenamento de recursos materiais, sem falar na preparação dos recursos humanos. Acrescentarei, por fim, que a distância a ser transposta, no desembarque, não ultrapassava, mesmo com os deslocamentos finais em terra, das diversas bases na Inglaterra, 400 quilômetros, que poderiam até ser somados (para nossa argumentação) à travessia do Atlântico pelos recursos vindos dos EUA.



Desembarque anfíbio no "Dia D".


Claro, que não devemos esquecer o "pequeno" detalhe que tais forças enfrentariam um exército extremamente bem treinado e experiente, fortemente guarnecido em fortalezas e dotado de tecnologia superior em diversos campos (os blindados seriam o melhor exemplo), além de sustentado por uma das maiores potências industriais e econômicas do planeta, dispondo dos recursos de um continente inteiro e ainda um tanto de outro.


Menos de 50 anos depois, a Guerra do Golfo mostrou o cenário de uma hiperpotência (sim, eu gosto e uso este conceito), com orçamento militar superior a soma de todos os demais países do mundo, inigualável em tecnologia militar, dispondo de domínio total do espaço aéreo, retomou um país pequeno, enfrentando uma potência militar cambaleante após anos de guerra com outra, dispondo de um volume de recursos limitado a seu próprio território, sem estrutura industrial significativa a não ser no setor de petróleo, incapaz inclusive de produzir seu próprio alimento, com nada menos de 750 mil homens, total este que inclui também forças, não menos qualificadas, da chamada "coalisão", dispondo, evidentemente, do apoio das mais ricas nações do mundo além dos EUA, e de fontes de recurso que pela própria definição, a exceção do Iraque e algum apoio insignificante deste, seriam oriundos do planeta inteiro.



Duas cenas da Guerra do Golfo, a escala das forças envolvidas e a destruição provocada.



Guerra é uma serie de catástrofes que podem resultar numa vitória. - Georges Clemenceau.


Aqui, citarei o documentário Uma Verdade Inconveniente (2006, IMDB), na qual Al Gore apresenta que quando nasceu, tínhamos passado aproximadamente 10 mil gerações, desde nossa especiação final no que seja o Homo sapiens, para na data de seu nascimento, estarmos caminhando na faixa de 2,5 bilhões de habitantes, e ainda em sua vida, caminhamos já para 7 bilhões. Assim, tal como ele afirma em seu trabalho, eu afirmo de maneira similar: -Algo me diz que estamos com um problema!


Lembrando mais uma vez filmes, entre todas as obras até absurdas de ficção dos anos 50, uma das mais peculiares é "A Selva Nua" (The Naked Jungle, 1954, IMDB) do diretor Byron Haskin (o mesmo de Guerra dos Mundos, de 1953) com Charlton Heston, no qual o personagem principal, na floresta amazônica, enfrenta "marabunta", que são formigas em deslocamento ao número de milhões, devorando tudo pelo seu caminho, desde plantas até infelizes trabalhadores em suas canoas.


Vejam como são ingênuos os autores de tais roteiros e diretores e mesmo o despreocupado H.G. Wells (o autor do romance original Guerra dos Mundos), que enquanto criava uma séria obra de ficção, embora com a ingenuidade científica de que seriam os invasores de Marte, perfeitamente perdoável, procurando criar uma grande metáfora para o massacre das forças colonialistas européias na África, aos moldes do que foi feito por Joseph Conrad em "O Coração das Trevas", inspirador de "Apocalipse Now" de Francis Ford Coppola (do qual poderia também lembrar que os EUA lançaram mais bombas sobre o Vietnã e Laos do que em toda a Segunda Guerra Mundial, no que voltaríamos à uma argumentação similar à inicial).


Mal perceberam estes autores que as "formigas em marcha" são as próprias pessoas que assistiriam seus filmes, e os piores invasores dos planeta são as que leriam seus livros, e com alguns significativos agravantes: não devoram apenas parte da floresta amazônica, que pode se recuperar (e sempre se recuperou das formigas), não matam apenas pobres infelizes em suas canoas, não podem ser detidas com óleo e rompimentos de represas e nem mesmo estão matando apenas uma civilização tecnologicamente inferior na distante África. Devoram as florestas do planeta inteiro, eliminam milhares de infelizes de sua própria espécie e de qualquer outra, mesmo que nos descuidos de sua marcha até insana, mesmo que ingênua, e já estão aqui, e não talvez por um acaso venham no futuro de um planeta distante.



Uma carcaça de elefante, na África.


Sobre "planeta distante", seria bom, antes do restante da apresentação, deixarmos bem claro de que não seremos mortos nem mesmo por microorganismos deste planeta - os senhores absolutos dele hámais de 3,8 bilhões de anos - com os quais estamos em convívio há os mesmos bilhões de anos, inclusive os consumindo em nossos processos tanto biológicos internos quanto domésticos e industriais e muito menos poderemos fugir para qualquer planeta, tão distante quanto os mais maduros em termos de ficção científica na imensidão da distância assim como no tempo imaginamos, mesmo para que se tornem a mais desagradável das florestas ou mantenham-se como o mais árido deserto, pois volto a repetir: a Terra é o insignificante planetinha em que habitamos e embora agradável, é prisão terrível da qual ainda não podemos escapar, hoje, e pelo menos, ainda por muito, muito tempo.


Tendo isto apresentado, passemos a mostrar, além de descrição da escala dos esforços de guerra, outras atividades relacionadas até diretamente a esta, que nos transformaram em vorazes formigas em marcha, nunca antes imaginadas na ficção. Como li recentemente: "somos muitos":


Sem defender ou justificar nossa competição intraespecífica, o problema está em frear a nós mesmos: o desejo de deixar descendentes, o imperativo reprodutivo.


MILTON MENDONÇA JR; Professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da UFRGS; O filme “Avatar” nos alerta: somos muitos



Uma cena do cotidiano da Índia. Não haveria na Terra população de formigas que a pudesse enfrentar.



A escala do estrativismo mineral


(ou como as montanhas foram removidas e levadas até novos Maomés)


Ao tempo dos egípcios a mineração de cobre, posteriormente o ferro, ao tempo dos romanos o enxofre, era feita por mãos humanas, em afloramentos superficiais extremamente destacados, sem a mínima ação significativa sobre o ambiente, e mesmo se o houve ao tempo das grandes civilizações do passado, atingiam um pequeno rio ou localidade (o Rio Tinto na Espanha ainda está lá, praticamente sem diferenças do seu passado romano, e continua sendo mais uma ação da geologia que uma ação humana). De pás e burros, bois e rodas d'água, passamos a máquinas a vapor, e destas ao diesel e as grandes máquinas elétricas e mistas, e hoje não mais localizamos superficiais jazidas. Nós modificamos a paisagem e até a geografia de regiões inteiras. Torna-se, nesta escala, desnecessário dizer que afetamos gravemente o ambiente. A literatura até popular dos ecologistas é abundante em exemplos, e os jornais são lotados de notícias de problemas oriundos deste processo, onde sacos no lombo de mulas se tornaram pás de centenas de toneladas que enchem caminhões de igual escala e alimentam fábricas que num dia produzem mais QUALQUER COISA que todo o Império Romano ou os Egípcios dispunham num ano inteiro.



O Rio Tinto, com sua característica dissolução de minerais, conhecido desde o tempo dos romanos.


Coloquemos antes de encerrar este ponto, um pequeno cálculo: com mulas que levem 100 kg em cada viagem, seriam necessárias 1 bilhão de viagens para mover o morro onde residi em Porto Alegre, que estimei como tendo uma massa de 100 milhões de toneladas (dados seus aproximados 37 milhões de metros cúbicos). Esses valores, claro, serão apenas ilustrativos, não necessitando mais que uma razoável exatidão. Com a atual capacidade dos caminhões de mineração, até 500 toneladas, seriam necessárias 200 mil viagens, e como tais caminhões fazem facilmente 10 de suas viagens por dia de trabalho, três caminhões fariam tal deslocamento no mesmo período de tempo em que foi construída a grande pirâmide de Giza.


Não é por outro motivo que já existem minas a céu aberto no mundo não maiores que o morro sobre o qual residi em Porto Alegre, mas sim maiores que o bairro onde este fica, como a mina de cobre Bingham Canyon (ou Kennecott), localizada em Utah, Estados Unidos, com seus 1200 metros de profundidade e 4000 metros de largura, extraindo anualmente 17 milhões de toneladas de cobre, além de prata e molibdênio. Note que nessa capacidade de produção, em termos de metais relativamente puros, 100 milhões de toneladas seriam somados em menos de 6 anos.



Explico: certa vez calculei, para um artigo, a massa do Morro da Polícia, um ponto bem marcante de Porto Alegre, de 298 m de altura, com quase o dobro da altura que o morro onde tive residência, considerando-o um sólido de base de 5 por 5 km, com altura de 298 metros, o que dá 7,45 km³ (um absurdo, pois ele não é um paralelepípido, o ideal seria considerá-lo uma pirâmide, mandando este valor para 1/3 de 7,45 km³, mas façamos assim, e consideremos então este volume de 7,45 bilhões de metros cúbicos. Com a densidade do granito em 2,6 ton por metro cúbico chegamos a um valor de 19,37 bilhões de toneladas. Nada excepcional para o mundo da atual mineração. Basta dizer que uma mina a céu aberto de 4 km de diâmetro, considerada como um cone, com 1200 metros de profundidade, no mesmo material, já teria um volume de aproximadamente 5 km³. E temos no mundo diversas minas a céu aberto dessa escala.



Bingham Canyon Mine, Salt Lake City, Utah, uma das maiores do mundo, com diâmetro de aproximadamente 4 km.



Mesmo em terras brasileiras a escala da mineração já dá suas mostras, como claramente em Minas Gerais. Lembro-me de reportagem que mostrava paisagem de montanhas dos, digamos, anos 60 e na imagem atual, uma das montanhas não estava mais lá. Agradeço desde já o fornecimento desta imagem.



Exemplos de destruição da paisagem em Minas Gerais. à direita o Pico do Itabira.



Recomendações de leitura:




Minas de Mirni, Rússia, e Diavik, Canadá.



Aqui talvez me torne logo repetitivo, mas: -Algo me diz que estamos com um problema com nossas necessidades e consumo de minérios e matérias primas!



A escala da produção agropecuária


Se considerarmos a maior potência agrícola do passado, da antiguidade, sejamos específicos, que ninguém discutiria que seria o Egito, até porque sua produção agrícola era de certa maneira "estatizada", veríamos que ocupavam áreas férteis não maiores do que mesmo hoje ocupa o (atual) Egito, e certamente com atual produtividade por área maior. Mas notemos que hoje o Egito seria um anão agrícola frente as grandes potências agrícolas do mundo, como os EUA e o Brasil. Mas não consideremos ainda o total de área cultivada, que é obviamente muito maior hoje que em qualquer data do nosso passado.



Uma visão da escala de proidução agrícola dos EUA.


Consideremos os métodos.


Os egípcios, assim como os povos nos 20 séculos posteriores, usavam arados puxados por animais de tração e quanto muito detinham formas primitivas de fertilização do solo, e praticamente nenhuma forma de defender suas plantações de inúmeras pragas, quanto muito de irrigá-las, o que, inclusive nisto, crescemos em escala ao ponto de secarmos rios e lagos inteiros.




Interessantes leituras:


WASHIGTON CARLOS DE ALMEIDA; A AGUA NA AGRICULTURA - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DA ÁGUA NA AGRICULTURA. - www.abda.com.br


 "...as águas são muitas, infindas". - Pero Vaz de Caminha, Carta ao Rei de Portugal







Fragmentos de Leitura - diversos autores; Nordeste sertanejo: a região semi-árida mais povoada do mundo; Estudos Avançados; Estud. av. vol.13 no.36 São Paulo May/Aug. 1999; doi: 10.1590/S0103-40141999000200003



O "Mar" de Aral, uma das muitas tragédias de uso abusivo do recurso água, julgado ilimitado.


O mal uso da água – o Mar de Aral - www.planetaorganico.com.br



Hoje, temos uma escala de produção não muito menor em porte de máquinas do que a mineração, turbinada pela fertilização na escala da mineração, escalas de deslocamento de grãos e outros frutos da terra que estão entre as maiores atividade humanas e despejamos toneladas de qualquer tipo de defensivo ao primeiro sinal de pragas, independentemente de questões tecnológicas e até ambientais já resolvidas nos últimos anos, e as espécies que exploramos entre os vegetais e os animais estão entre as mais prolíficas do planeta, chegando a encurralar em pequenos nichos as então outras abundantes que não contam com o nosso apoio, a não ser em casos de que as protejamos.


Assim, temos outro problema com o que comemos, e exatamente porque assim comemos, estamos hoje neste nível de população que nos é um problema.